sábado, dezembro 03, 2005

Na luta

Infelizmente, por absoluta falta de tempo, não pude postar este texto (escrito há já alguns dias) quando desejei – por altura da greve dos professores. Ainda assim, cá vai. São essencialmente dúvidas.

De que se queixam afinal, e grosso modo, os professores? Por alíneas;

a) das aulas de substituição. Já lhes ouvi os mais variados argumentos:
  1. “que ninguém imagina o que é um professor que não tem aquela turma ter que enfrentar o grupo desconhecido”. Mas, pergunto, à medida que aquelas se incorporassem nas regras e organização do tempo escolar dos alunos, não se normalizaria o processo da substituição? E mais, o sistema passaria a mensagem de que a escola é essencialmente um espaço de aprendizagem e de trabalho;
  2. “que um professor de geografia, a título de exemplo, não pode substituir um professor de matemática”. Mas, que se saiba, o que se pede não é que o docente que ocupa esse tempo adiante o ponto programático daquele que é substituído, antes que organize tarefas de interesse educativo para esses alunos (exemplos: estudo acompanhado, trabalhos de casa, organização e criação de materiais pedagógicos, pesquisa na biblioteca, etc.). Mesmo que, no contexto concreto, reine a postura do professor “enfadado”, não será pior que crianças entre os 5 e os 15 anos fiquem sem acompanhamento educativo, em recreios ao abandono, ou com a porta de saída da instituição mesmo ali à mão?;
  3. “um professor não é animador cultural, “guardador” de crianças, ou ama-seca”. Ora aí está uma visão estreita da educação, tratando-se, claro está, de uma perspectiva de mera conveniência, pois já há muito se abandonou a ideia do profissional da “instrução”, estando o mesmo argumento, noutras ocasiões, ao serviço precisamente da valorização do profissionalismo docente. Tal concepção empobrece, na mesma medida, os conteúdos de um educador de infância, que, com toda a justiça, não faz a mera guarda de crianças;

b) do alargamento de horários nas escolas. As razões apontadas são, entre outras, as condições desfavoráveis das escolas para que tal processo seja levado a cabo em todo o país com normalidade. Mas porque é que essa temática – as condições das escolas – nunca, ou raramente, esteve à cabeça das reivindicações dos sindicatos nas últimas greves? O outro “contra” da classe é a falta de tempo para a preparação de aulas e avaliação dos alunos. É certo que esse tempo é necessário para a afirmação dos bons professores, mas porque não nas escolas? Para além disso, quais são os profissionais qualificados que não têm que ler e estudar fora de horas?;

c) da atitude de guerra da ministra. Neste aspecto, inclusivé, há até entre os professores quem ache que algumas medidas são correctas, “só que se perdem pela pose de guerrilha de Lurdes Rodrigues”. Mas não será a atitude guerrilheira dos sindicatos prévia à da própria ministra? Também considerei provocatório o anúncio da taxa de absentismo dos professores em dia de greve, mas, com tanto discurso demagógico, a provocação até parece parda entre aqueles que se deveriam situar na primeira linha do, dito pelos próprios, grande desígnio nacional: a educação.

Francisco Louçã veio engrossar, como se tem tornado costume, a voz demagógica sobre o direito à greve dos professores e funcionários públicos em geral, e sua normalidade democrática. Concordo, em princípio, com ele. Adianto apenas que não ouvi nenhuma declaração da Ministra que fosse no sentido de beliscar esse direito. Neste cenário de ruído surdo, essas declarações pareceram mera estratégia de capitalização eleitoralista.

Quanto ao passado político de Valter Lemos, porventura pouco liso, não deve ser confundido com a qualidade das políticas que se querem implementar, a não ser a favor da política de “chinelo” a que alguns sectores de opinião nos têm habituado.

São, portanto, dúvidas. Penso que, dentro da enorme classe profissional dos professores, exisitirá gente disponível e empenhada para colaborar com as medidas de uma Ministra que decidiu não passar pelo cargo nem para fazer horas, nem para tapar buracos. E não será isso, talvez, que está a causar tanta estranheza?

Dito isto, nada disto deverá ser feito em prejuízo de uma tentativa, pelo menos de uma tentativa, de negociação entre as partes. Na esfera mediática/pública os professores têm perdido em todas as frentes. Vá lá, organizem-se caramba!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não sou, à partida, contra as aulas de substituição, nem o aumento do horário escolar do professor. Mas, tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, há muita coisa que não vai bem.

a)
1 - E enquanto essa normalização não acontece, sugeres o quê? Que o professor adquira impávido e sereno o seu novo papel de guarda policial? É que, na prática, é, muitas vezes, apenas isso que acontece. Os alunos não querem (e acham-se no direito de não querer) estas "aulas", e portanto, quando se dão ao trabalho de ir para sala (coisa que nem sempre acontece), consideram a sua "penitência" já cumprida, ignorando, por completo, o novo professor.

2 - "crianças entre os 5 e os 15 anos"?!... A medida não é só para os 2º e 3º ciclo? Se sim a idade mínima é 9 e não 5. Se não, admiro-me que seja suposto haver em cada escola de 1º ciclo professores disponíveis para substituição.
"sem acompanhamento educativo, em recreios ao abandono" - Acompanhem-se então os recreios! Defenda-se também a criação de actividades fora do ambiente de aula! Actividades desportivas, clubes de literários científicos ou artísticos, grupos de estudo,... - algo que o aluno, apesar de obrigado, possa escolher!

3 - O professor "animador cultural, “guardador” de crianças" não é o que se pretende, mas é, de facto, o que muitas vezes acontece nessas "aulas", daí a indigação.

b)
"porque não nas escolas [a preparação e avaliação das aulas]?" Por causa da falta de "condições das escolas"!!! É que, na prática, para além da falta de meios informáticos, tens muitas vezes salas de professores, bares e bibliotecas a abarrotar. Portanto, essas horas a mais na escola são muitas vezes horas perdidas...

c)
A guerra não é, de facto, saudável. Nem o Ministério quer castigar os professores, nem os professores se querem livrar de responsabilidades. Ambos querem [ou deveriam querer!] melhorar a tal escola como espaço de aprendizagem. O que me parece é que o Ministério se está a preocupar demais com o passar da mensagem, enquanto que os professores [aqueles - muitos! - que até concordam com as medidas] estão preocupados com a real existência do dito espaço de aprendizagem.

Há sobretudo uma grande falta de comunicação em ambiente de paz, que dificulta o esclarecimento de ideias, o levantamento de necessidades e a definição de estratégias - a teoria é importante, mas há que saber [poder!] aplicá-la na prática!
[É mesmo isso!]
"Vá lá, organizem-se caramba!"

4:00 da manhã  

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