segunda-feira, julho 24, 2006

Ruy Jervis Athouguia, uma ode à integração luminosa

Um dos melhores arquitectos portugueses de sempre, Ruy Jervis Athouguia, faleceu na passada 6.ª feira, aos 89 anos.
Enqt. modernista preocupado com a harmoniosa integração dos seus edifícios esteve sempre atento à relação dos citadinos com o espaço urbano e a luz. Athouguia foi um farol em tempos adversos, 1.º, de ditadura enleada num tradicionalismo serôdio, depois, de avareza e pato-bravismo.
Da sua obra luminosa, destacam-se a sede da Fundação Gulbenkian (1959-69, a meias com Pedro Cid e Alberto Pessoa), as escolas primárias do B.º de São Miguel (1949-53) e Teixeira de Pascoaes (1956-61) e o Liceu Pe. António Vieira (1969-65), todos em Lx., além de algumas vivendas em Cascais, onde residia. Para o fim, fica a obra para mim mais emblemática: o Bairro das Estacas (1950-55), em parceria com Formosinho Sanchez e pela qual recebeu o Prémio da Bienal de São Paulo de 1954.
O B.º das Estacas não tem frente nem traseira, apenas prédios baixos e compridos assentes em estacas, e espaço, luz e verde. É uma onda marítima, uma brisa dentro da cidade, uma ideia que, de tão familiar, esquecemos por vezes escassear ainda. É um poema que nos legou, uma ode ao urbanismo humanizado.
Hoje, os novos condomínios de luxo são feitos parasitando os poucos jardins públicos que ainda sobram, não acrescentam verde, nem cidade, nem espaço público. É o reino do betão sem inspiração nem integração, acrítico e preguiçoso.
Em 2003, foi-lhe dedicada uma exposição monográfica no Pal.º Galveias (CML), comissariada pelos arquitectos Ricardo Carvalho e Joana Vilhena.
O seu espólio foi depositado no Arq.º Hist.º da CML em 2001, mas permanece inacessível ao fim destes anos todos. Faria melhor a CML em investir nos homens que deram luz e vida à cidade e no seu património cultural, em vez de gastar rios de dinheiro com flores na lapela estilo Frank Gerry e túneis megalómanos chamarizes de mais trafêgo automóvel. Afinal, até o próprio Parque Mayer, apenas com meia dúzia de concertos da EGEAC e uma revista, conseguiu renascer em Junho. E se nele abrissem uma esplanada com concertos ao ar livre, um acesso ao Jardim Botânico e restaurassem o Capitólio, em vez de estarem a estoirar o orçamento dos munícipes em mais betão excessivo e pretensioso?
Nb: fotos do Arq.º Fot.º da CML (as 1.ª e 2.ª de Armando Serôdio, a 3.ª de Mário de Oliveira); mais informação aqui e aqui (referências aos inspiradores Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto).
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