sábado, abril 01, 2006

Bombinhas com mel

O amigo Vitorino, personagem com tiques - de discurso e de postura - suficientes para nos manter a certa distância, trata-se ainda assim de um criador de belas canções razoavelmente desconhecidas do grande público. As consequências são nefastas... para quem?, bom, já que me perguntam isso assim de chofre então levam a resposta da praxe - para ninguém em geral e para toda a gente em particular.
Há um tipo de discurso que me parece desarticulado com os tempos, anacrónico, aquela treta da língua portuguesa e dos artistas portugueses e de uma suposta qualidade inerente a essa condição, uma espécie de defesa intransigente e cega de algo que, por si só, me parece indefensável. Portuguesa ou não, a música não tem de ser protegida só porque fala esta ou aquela língua. É assim com o queijo de Serpa, com o vinho de Pias ou com o porco preto, para mantermos a conversa apenas nos eixos da produção de cultura. Para essa faceta algo ressabiada de Vitorino tenho pouco vagar.
Depois há a outra, a de escritor de canções, a de belo autor de canções o mais das vezes, com algumas das melhores, desconhecidas. O mercado viu-o editar recentemente uma colecção, creio que em cd triplo, que é capaz de valer a pena para quem não possua já os seus discos. Não tecerei comentários sobre a dita, nem sequer olhei para ela e não vou falar do que não sei. Vou no entanto dizer duas coisas mais. Talvez se arranje ainda por aí à venda aquela edição da Movieplay editada em 1994, da série O Melhor dos Melhores - o volume de Vitorino é o número 43 - que reúne entre outras coisas a maior parte do material do seu primeiro disco, Semear Salsa Ao Reguinho (1975, Orfeu). Pois bem, enquanto este não foi reeditado em cd, aquele foi fonte essencial para poder desfrutar da bela música de cariz popular de raiz alentejana com que Vitorino se estreou, em 12 canções distribuídas por curtos 29 minutos e meio. Grande estreia, apadrinhada pelo primo Sérgio e pelo tio Zeca com pontuais colaborações, bem como por Fausto na produção. Só que entretanto Semear Salsa Ao Reguinho acabou por sair em cd e deve dizer-se que só uma das suas canções - é mesmo, só uma - não está incluída no tal volume d'O Melhor dos Melhores. Sendo assim, vê-se mesmo que não vale a pena comprar o original não é? Não, não é. E a razão é simples. A tal peça em falta dá pelo nome de Cantiga d'um marginal do séc. XIX e é uma das melhores composições de Vitorino, sem apelo nem agravo. É coisa de candura, de cândida utopia, de errância com saudade do montado, do largo, do branco casario. É coisa de doce resistência, de anarquista beleza resignada a céu aberto, de magicações de ressonâncias asterixianas em que o Pomarão resiste e leva sempre de vencida gigantescas hordes de romanos bárbaros. É uma bombinha com mel, coisa para nos amaciar a furibunda melancolia que nos torce as entranhas nas intermináveis horas que passamos longe de casa... deste «bairro oriental»... à espera.
Quanto a ela, à cantiga, tenho pois dito. Semear beleza aos molhinhos, desculpem, Semear Salsa Ao Reguinho valeria sempre a pena nem que fosse só por ela. Quanto ao outro, o volume 43, guardem-no também. Aqueles segundos finais daquela versão do Menina estás à janela, não seriam só eles suficientes para isso? Penso que sim, e à conta disso havemos de voltar a eles.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Obrigado p`la música

2:14 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

com ou sem salsa,vitorino continua a ser o melhor!!!!

3:30 da tarde  

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