quinta-feira, agosto 31, 2006

O cabaret punk de Brecht

The Dresden Dolls,
«Girl anachronism»
(2004)
Apresentam-se assim, como herdeiros da boémia subversiva ocidental. Eles são o cabaret pós-moderno que pode haver nos EUA (são de Boston..), por cá temos o Jorge Palma, em Itália preservam o Paolo Conte, e há uns quantos mais dispersos, por aí, a vaguear. Como são poucos, nada melhor que escutá-los devotamente. Este é o videoclip possível (tem uma breve interrupção técnica aos 30 segs.), mas é a melhor versão das várias disponíveis desta canção. É forte, é rápida, é impressiva, dá água pelas barbas. Ai se dá... Esta dupla fabulosa tem outras obras magníficas, que podem ser escutadas no seu sítio oficial, uma casa assombrada cheia de surpresas. Não se assustem...
Nb: mais informação aqui; a canção «Perfect fit» tem um magnífico videoclip (mas com solavancos), que pode ser visto aqui. Na foto, Brian Viglione (esq.) e Amanda Palmer (dir.).

quarta-feira, agosto 30, 2006

No tempo em que tudo se debatia

Não é fácil fazer um texto sobre a Reforma Agrária (RA). Mais do que uma análise que se estribe em sólidos conhecimentos sobre o Alentejo e a sua agricultura, para mim – hoje com cinquenta anos – a RA é, antes de mais, um exercício de Memória. Dito de outra maneira: é naquilo que sou hoje que inquiro o tempo em que esse movimento social se efectivou.
Assim, ao revisitar o 25 de Abril, lembro esse imenso caudal humano no qual, sem excepção, todos achavam que a circulação da palavra – e estou a falar de política – não era território exclusivo de especialistas, os ‘políticos’. Todos tinham o direito de dar a sua opinião e de fazer circular nas escolas, nos locais de trabalho, nos autocarros, nas paredes das ruas. Assim vertidos no espaço público e sujeitos a intenso e acalorado debate, os enunciados políticos – como os referentes à Reforma Agrária – transformaram desde logo tal espaço num locus de liberdade e cidadania: nunca como então se discutiu tanto o futuro do país e da terra.
Para mim, estudante de liceu com dezanove anos, e para muitos outros e outras colegas, companheiros e camaradas, essa discussão sobre uma parte do território constituiu também uma verdadeira revolução na forma de ver o país e a sua inserção no tempo e no espaço do mundo. À circulação de pessoas pelas comissões de apoio à RA – penso em Lisboa e de Lisboa – e de trabalhadores alentejanos pelas ruas da capital, em manifestações de rua ou em vendas directas de produtos agrícolas, veio a corresponder não só uma transformação das fronteiras simbólicas que afastavam o país de si mesmo – ou seja, uma destruição das categorias com que todos se pensavam entre si –, mas também e inclusivamente, das fronteiras simbólicas no interior das quais o país, como um todo, se colocava a si próprio no mundo. De um ponto de vista que se atenha em exclusivo sobre os modelos de organização social que então circulavam, a vinda triunfal de um tractor da Bulgária ou da União Soviética para uma cooperativa agrícola alentejana pode hoje parecer um anacronismo. Mas não é. E não é – some-se a isso, e a título de exemplo, a descolonização – se pensarmos que a forma como nos vemos hoje é resultado de um complexo processo de construção e reconstrução do mundo. Desse ponto de vista, a RA deveria ser pensada como uma importante peça de um devir que se cumpre numa enorme complexidade.
É claro que fica a nostalgia de um tempo em que divisávamos a possibilidade de um mundo melhor. Também ela parece um anacronismo. Mas não é. Afinal, uma sociedade é isso mesmo: um conjunto de pessoas que se vêem a si próprias e à sua inserção no mundo de formas diferentes.
Luís Almeida
Nb: o 1.º autocolante é da col.º da BN, o 3.º é do blogue Tócolante, os restantes são da col.º de DM.

terça-feira, agosto 29, 2006

A cidade e os campos

Pouco após o 25 de Abril de 74, são criadas as 1.ªs convenções de trabalho, nos distritos de Beja (19/6) e Évora (30/6), selando negociações entre comissões pró-sindicatos de assalariados rurais e a Assoc.º Livre de Agricultores, elo de grandes, médios e pequenos proprietários (cf. B. S. Santos, M. M. Cruzeiro e M. N. Coimbra, O pulsar da revolução, Afrontamento & CD25A-UC, 1997, p. 108 e 118). A 12/7 é a vez dos acordos de Moura (idem, p. 126).
A 30/8 legalizam-se os 1.ºs sindicatos de trabalhadores agrícolas; “no Alentejo, alguns agrários reagem com o abandono de terras e a destruição de culturas (idem, p. 140).
Outro dos instrumentos para forçar melhores condições laborais nos campos é o recurso à greve (vd. acordo de 16/9 em Salvaterra de Magos). O dec.º-lei 653/74, prescrevendo o arrendamento compulsivo de terras subaproveitadas e a intervenção do Inst.º de Reforma Agrária, só surgirá em 22/11 e neste contexto de pressão social e crise económica.
A 10/12 dá-se a 1.ª ocupação de terras, uma herdade desaproveitada de Beja (ap. avaliação da Comissão Paritária da Convenção Concelhia para o Trabalho Rural), a do Monte do Outeiro, após a recusa do proprietário em integrar trabalhadores desempregados e após ter despedido grande parte dos que lá trabalhavam (cf. Uma revolução na revolução, Campo das Letras, 2004, p. 236-40).
A 2/2/1975 são ocupadas terras abandonadas da herdade do Picote (Montemor-o-Novo) e, nesse mesmo dia, o governo informa que decidira expropriar as terras de regadio das grandes propriedades (Santos, Cruzeiro & Coimbra, op. cit., p. 180).
Seguir-se-ão outras ocupações, ao sul, na sequência do 11/3 (idem, p. 202). Tais ocupações decorrem de “conflitos sociais” que se vinham “agudizando” desde o 28/11/1974 (idem). Segundo Afonso de Barros: “Durante largos meses, o movimento social nos campos do Alentejo e Ribatejo desenvolveu-se, portanto, com acentuada autonomia e ampla espontaneidade, obtendo avanços significativos em direcção à R[eforma] A[grária] e forjando transformações de facto, circunstâncias estas que, por sua vez, iriam exercer considerável influência na própria transformação da situação política global (cf. A Reforma Agrária em Portugal, FCG, 1979, p. 51). Tal como propõe ainda Barros (entre outros) será, por isso, mais rigoroso falar numa articulação entre a sociedade e o Estado, refutando-se perspectivas mais exclusivistas, seja dum ou doutro lado: “Se é correcto sublinhar estes [aqueles] aspectos relativamente à primeira fase do processo, indispensável é desde logo destacar os inegáveis níveis de articulação verificados entre o que foi a acção espontânea e autónoma do movimento social e o papel desempenhado por elementos do aparelho de Estado e pelos militares progressistas do Movimento das Forças Armadas (cf. op. cit., p. 51/2).
Em 15/4/1975, é divulgado o Programa da Reforma Agrária do Conselho da Revolução; no dia seguinte, o governo aprova a expropriação de latifúndios no sul do país (cf. Pezarat Correia, “Os militares e a Reforma Agrária”, Rev. Crítica Ciências Socs., n.18/19/20, 1986, p. 458). Ainda em Abril, um comunicado do MAP advertia: “não serão toleradas, por prejudiciais ao desenvolvimento do processo de Reforma Agrária e, portanto, reaccionárias, quaisquer ocupações de terras ou outras iniciativas similares (cit. por Afonso de Barros, op. cit., p. 157).
A conexão desta dinâmica rural a outras urbanas é tb. apontada por estudiosos como Barros: “importa ter presente a sua [do movimento social nos campos do sul] interligação com a luta de outras classes e camadas sociais com sede urbana-industrial e, bem assim, com os acontecimentos e transformações políticas registadas a nível global (idem, p. 52).
Nb: os 2.º e 3.º autocolantes foram retirados do blogue TóColante (o 2.º é tb. 1 cartaz).

segunda-feira, agosto 28, 2006

Soneto de António Nobre

E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil. Tudo é ilusão.
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!
Mas a Arte, o Lar, um filho, António? Embora!
Quimeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do Além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha única aflição.
Toda a dor pode suportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva... essa que traz.
Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar nesse convento
Que há além da Morte e que se chama A Paz!
António Nobre, ,
Lisboa, Ulisseia, 1989 (or. 1892), p. 208.

sábado, agosto 26, 2006

A marcha da humanidade, ou talvez não


É o maior cineasta de animação europeu actualmente em actividade.
Bruno Bozzetto, de seu nome, tem um grande poder de síntese, ideias claras e gosta de reflectir sobre a condição humana e o quotidiano contemporâneo.
Há muito mais deste calibre no YouTube, no seu sítio oficial e noutros locais. Quase tudo é mt. bom, graças tb. às excelentes bandas sonoras de Roberto Frattini.
Aqui fica «Grasshoppers», de 1990. Muito actual, não é?
Sempre actual, ao que parece...
AVISO: este filme não está mais acessível livremente, a pedido do autor ao sítio de Internet que o disponibilizava, o YouTube. Nele vem agora a seguinte mensagem: "This video has been removed at the request of copyright owner Bruno Bozzetto because its content was used without permission". Do equívoco sou alheio, mas aproveito para esclarecer, respeitar e lamentar o sucedido. Devo ainda aditar que existem diversos filmes deste autor de livre acesso integral, a maioria no seu próprio sítio de Internet. Voltaremos a ele, então repescando do seu próprio sítio, para evitar mais confusões.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Incentivo ao Arrendamento Jovem no cadafalso

A Cláudia Castelo propôs a publicação deste texto, com o qual concordo inteiramente:
A 16-8-2006, o Público e a SIC Online noticiaram que o Instituto Nacional de Habitação estava a avaliar o Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ) e, caso concluísse que não tinha a eficiência prevista (dinamizar aquele segmento de arrendamento, ap. o respectivo secretário de Estado), poderia extingui-lo ou modificá-lo até ao final do mês.
Antes de mais, estou estupefacta com a argumentação usada para justificar o eventual fim do IAJ. A falta de dinamização do arrendamento em Portugal tem causas sobejamente conhecidas (congelamento das rendas durante décadas, baixas taxas de juro para aquisição de casa, etc.), e fazer depender a existência do IAJ da eficiência do sector parece-me perverso e pouco curial. Eu julgava que o IAJ fora criado sobretudo numa perspectiva social, de apoio a jovens em início de vida activa, com rendimentos incompatíveis com os preços do mercado de arrendamento livre. A indicação que o Governo parece dar é que todos devem recorrer ao crédito e comprar casa própria nos subúrbios. Quem não quiser endividar-se a 30-40 anos, quem prezar a mobilidade (os contratos celebrados ao abrigo do Regime de Arrendamento Urbano têm a duração de 5 anos), deverá ficar em casa dos pais (!!) ou viver em ‘camaratas’, quartos ou partes de casa. A salvo ficam, como sempre, os que têm rendimentos acima da média e podem, sem esforço, pagar rendas superiores a 2 salários mínimos (preço médio em Lisboa).
Além de estupefacta com o despropósito argumentativo, estou triste com a falta de sensibilidade para o lado humano da questão. Conto-vos uma história verídica.
Quando conheci a S., ela vivia num anexo a c.30 kms de Lisboa. Pagava 250 euros, sem recibo. Demorava c.1h30 em transportes para chegar ao emprego, onde exercia funções de secretariado, e recebia c.650 euros mensais líquidos. Na zona exclusivamente residencial onde morava não havia comércio nem equipamentos culturais e os transportes rareavam aos fins-de-semana. Era complicado deslocar-se para ir ao cinema, a uma livraria, a um café com amigos. Estava sozinha e sentia-se completamente isolada. O seu sonho era mudar-se para Lisboa. Falei-lhe do IAJ; expliquei-lhe que poderia arranjar casa perto do trabalho e recorrer àquele apoio. Tendo em conta os seus rendimentos, ficaria a pagar uma renda equivalente à que pagava no anexo. Avisaram-na de que teria de pagar a renda por inteiro até à aprovação do seu pedido, e de que não seria reembolsada depois. Decidiu que o sacrifício valia a pena, iria a pé para o emprego (cortava no passe social) e iria almoçar sempre a casa. Ajudei-a na demanda da casa. Garanto-vos que não foi fácil encontrar um T1 decente em Lisboa a 500 euros (+1 mês de procura). O seu empenho pagou todas as canseiras. Depois do contrato assinado, a S. fez o pedido ao IAJ. Garantiram-lhe então que a apreciação do processo demorava 2 meses. Está à espera há 3 meses; do IAJ dizem que o seu processo ainda não foi introduzido no computador, que continue a aguardar. Tememos que, enquanto espera, seja consumada a extinção do IAJ.
Podem tirar-se várias ilações desta história; ocorre-me uma: o governo socialista está obcecado com a despesa pública, não tem pejo de abdicar de políticas sociais para os jovens, já penalizados pelo desemprego e falta de solidariedade intergeracional. Não se importa que Lisboa, Porto e outras cidades importantes sejam habitadas só pelos mais ricos e por realojados dos bairros clandestinos. Por omissão, contribuirá para expulsar das principais cidades a classe média e os jovens, remetendo-os para a periferia, para zonas desqualificadas em termos urbanos e sociais.
O Cacém, a Reboleira e outros ex-libris do nosso ordenamento territorial agradecem, os bancos aplaudem e os patos-bravos das campanhas eleitorais rejubilam.
Eu aguardo que o governo socialista anuncie a alternativa justa para a falta de eficiência do IAJ; alternativa essa que não comprometa uma política social de habitação para os jovens e de revitalização das principais cidades, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. A menos que queiramos reforçar subúrbios incaracterísticos e com baixa qualidade de vida.
Cláudia Castelo

quinta-feira, agosto 24, 2006

Livrarias desempoeiradas, que remanso!

É uma verdadeira epidemia: elas estão em todo o lado! Invadiram o país, sem dar cavaco nem pedir licença ao dr. António Costa, caramba!
São espaços que vão para além da mera venda da mercadoria: fazem exposições de arte, sessões de poesia, teatro e música, mostras bibliográficas temáticas, horas do conto, debates, ciclos de conferências, lançamentos de livros sem ter que se pagar por isso, têm sites e/ou blogues, etc., etc..
Eis uma mão cheia delas e respectivos sítios de Internet (1.ª parte):
>BDmania (Lisboa; especializada em banda-desenhada);
>Fonte das Letras (Montemor-o-Novo);
>Garfos e letras- Liv.ª temática de gastronomia (Porto; com cursos de cozinha);
>Ler Devagar (Lisboa; a sede do B.º Alto fechou e irá mudar de poiso, ficou a da Cinemateca);
>Livraria centésima página (Braga; agora em plena Pr. República, num granítico espaço mágico e com suculentas imagens gastronómicas da cafetaria, não me sai da retina o folhado de queijo);
>Mundo Fantasma (Porto; especializada em banda-desenhada);
>Som da Tinta (Ourém; com programação regular, e tb. editora homónima).
Novas livrarias lusas: um pitéu de chorar por mais... Boas leituras!
Nb: a 1.ª foto é da Ler Devagar (por Yvel Clery/ Pierre Caillo); a 2.ª é da Liv.ª O Navio de Espelhos (foi retirada daqui).

quarta-feira, agosto 23, 2006

Regresso da violência anti-democracia a Hong Kong

A violência anti-democracia regressou em força a Hong Kong, após a vaga repressiva de 1998. No fim duma manifestação pacífica de protesto pró-democracia total em Hong Kong, o líder político democrata Albert Ho foi brutalmente agredido por 3 homens não identificados (vd. imagem). Albert Ho é membro do Democratic Party, tal como o outro activista agredido, Howard Lam. A polícia está a investigar o acto criminoso, que ocorreu domingo passado, mas até agora não conseguiu deter os agressores.
Nb: mais informação aqui, imagem retirada daqui.

terça-feira, agosto 22, 2006

Da natureza do salazarismo (revisão da problemática)

Bruno Cardoso Reis (BCR) retomou ontem o debate sobre a natureza do salazarismo, para o qual o meu principal contributo vem neste post. Concordo com mt. do que diz, daí que, por falta de tempo, apenas me detenha nos pontos de divergência.
Qt. ao revisionismo, temos acepções distintas. O que BCR chama revisionismo para mim é antes o estado da questão, revisão da matéria x, o estado actual da investigação sobre x, etc. (hoje usa-se tb. o pomposo título de «estado da arte»). Nesse sentido, uso o termo revisionismo quando alguém, pretextando uma discussão teórico/empírica, tem uma agenda política/ ideológica por detrás a instrumentalizar uma dada questão, e, portanto, o seu intuito não é essencialmente científico, teórico ou empírico nem tão-pouco de esclarecimento e de demonstração. Foi o que sucedeu com alguns txs. surgidos no espaço público nos últimos tempos, cabendo ressalvar que isso não era o essencial da minha intervenção.
Qt. ao que disse o Luciano Amaral (LA), infelizmente as teses centrais dos txs. a que aludia num comentário a um tx. de BCR são outras e de sentido bem distinto, a saber:
A ambiguidade na Guerra Civil de Espanha resultou na grande mentira histórica segundo a qual a vitória de Franco teria significado a derrota da democracia. [..] A vitória de Franco não foi a derrota da democracia, no sentido em que a derrota de Franco seria a vitória da democracia”. A este critiquei-o aqui. E, a citar um outro tx. de LA, é óbvio que seria o de 25/V e não o de 27/IV: “Nem a Ditadura nem o Estado Novo interromperam a democracia em Portugal. Apenas substituíram um regime terrorista e que nunca conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio por um autoritarismo formalizado, o qual nem sequer impediu grande número de adesões, da esquerda à direita”.
Qt. à opinião de VPV, a passagem da discórdia tb. não é a que BCR cita, mas sim outras dum lamentável tx. saído no Público intitulado "Não apaguem a memória?", o qual não tenho disponível comigo, mas toda a gente sabe do que estou a falar: é aquele tx. que dá a entender que tudo não passou duma corriqueira excursão dum grupo de comadres mais convencionais mas pacatamente inofensivas.
Por fim, a historiografia lusa distingue fascismo de salazarismo, sim, mas tb. distingue fascismo italiano de nazismo, etc.. Estamos a falar de distintos ângulos de focagem: um, mais de análise e caracterização político-formal (e mesmo aqui há quem fale em "fascismo sem movimento de massas" para caracterizar o Estado Novo luso, vd. o mesmo Manuel Lucena, ou de faceta fascizante, etc.), outro mais contextual, que remete para o contexto político-ideológico de ascenso fascista/ 3.ª via dos anos 20/30, da forte inspiração na sua matriz ideológico-cultural e institucional, e da emulação de certas práticas políticas, sociais, culturais e económicas.
Termino com uma nota concordante: os bons debates, argumentados e construtivos, ficam sempre em aberto, sendo passíveis de renovadas revisitações críticas.

segunda-feira, agosto 21, 2006

J. J. Cale!...

...é o nome do cantautor que criou a música anterior, tornada famosa por Eric Clapton, embora seja melhor a versão original. Esta e outras das suas músicas mais celebradas surgiram logo no seu álbum de estreia, Naturally (1972). Apesar do êxito, J. J. Cale sempre quis estar longe dos holofotes. Dedica-se apenas à sua arte, embora fique reconhecido por outros músicos tocarem as suas canções. J. J. Cale tem um estilo inconfundível, mantendo-se fiel a um registo entre o country-rock e o blues-rock. Aqui fica a minha música preferida dele, «Crazy mama» (tb. de 1972), pelo som fantástico e o humor dolente.
Quem quiser aprofundar pode ir ao site oficial ou ao dos seus fans.

After midnight

sábado, agosto 19, 2006

Agosto é para lembrar Drummond

O Mundo é Grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

(Carlos Drummond de Andrade, in “Amar se Aprende Amando”)

Equívocos duma polémica antiga (ainda a crítica)

Num post de ontem, Carlos Leone atribui-me coisas que eu não disse. Concedo que possa ter treslido algumas das suas ideias, mas fez o mesmo comigo: eu nunca preconizei a "morte da crítica", antes o atrofiamento/afunilamento dela na imprensa lusa e de como isso era um sintoma do défice de debate público ("grau exagerado de filtragem existente na imprensa lusa, sintoma para mim evidente de conservadorismo opinativo e político das elites lusas e de falta de capacidade de debate"). Se tb. falei de censura, foi para responder a uma provocação do género «ou é preto ou é branco», muito «Prós e contras». Neste post retomei os contributos de A. M. Seabra, por isso, aqui fica um esclarecimento.

sexta-feira, agosto 18, 2006

O majora do Marcelito, recauchutado

Ora, cá está ele, todo catita e pós-moderno. Agora, só vos resta ir buscar os dados e jogar o joguito.
Gosto sobretudo da casa 44, «Renovação na continuidade», que dita: "Recua para 40 e observa a penalidade correspondente". E qual é ela?, indagais vós; ei-la: "Dia de S. Caruncho - avança para 44". E assim ad aeternum, neste frisson muy Estado Novo «Primavera marcelista», sei lá, talvez pescadinha-de-rabo-na-boca. As mentes mais ponderadas chamam-lhe português suave, decerto à coca duma cadeira... carunchosa ou não, só o destino sabe.
Nb: quem quiser compulsar todas as regras pode clicar na imagem onde surge o reg.º, que esta surgirá ampliada.

quinta-feira, agosto 17, 2006

O majora do Marcelito

Olé, já que foi tudo a reboque da caravana aniversariante mainstream, não façamos a coisa por menos: tomai lá uma prendoca laroca, o animado «Jogo da glória da ditadura fascista».
Pois é, p'ra petizada o nome será escanifobético, mas vão ver que se contentam com a bonecada. Vai em fatias pós-modernas, para aguçar a gula. Se vos portardes bem, claro.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Livro de reclamações: o mergulho em seco do eng. Carmona

O magazine municipal alfacinha, um entre centenas da objectiva imprensa autárquica, afogou a concorrência no Verão passado com o anúncio dum oásis piscineiro em Lisboa. Alguns incrédulos terão arrenegado e votado no sr. eng. graças a essa máquina bem oleada chamada propaganda.
A capa do seu n.º pré-eleições era peremptória: “Piscinas de Lisboa duplicam neste Verão”. Lido o texto na p. 5, e eis que das 7 novas piscinas prometidas para a tal duplicação só 2 concluiriam obras no final de Set.º de 2005, mesmo a tempo dum magusto subaquático, com castanhas aquecendo a águinha.
Porquê isto agora? - perguntais vós.
É mt. simples: porque não só essas 5 continuam por abrir como a maioria das existentes entretanto fecharam! A do Areeiro fechou há semanas e não se sabe se reabrirá (ai, ai, 1 proj.º urbanístico 'levezinho' ali é o mais certo..., depois não digam q não foram avisados, nem a centralidade nem as estatísticas de frequência a salvarão, se não vos mexerdes entretanto). A da Penha de Fr. fechou ontem para férias. A da Ameixoeira fechou há 3 semanas, por não ter 1 bidon de cloro!!! Idem para a do Vale Fundão (Chelas)!!! A do Restelo está em obras. Na do Oriente ninguém atendia o telefone de manhã... Sobra-nos a mini de Alfama (será?) e a do Casal Ventoso... Dá p'ra acreditar?
Cá ficamos à espera, então, do eng. Carmona na prancha, a ensaiar o mergulho em seco nas maravilhosas piscinas que nos prometeu. Caso vá em frente, fica já assente: eu levo o misericordioso balde de água, estou certo que alguém tratará das fotos...
Para as empresas, este arrojo seria rotulado de publicidade enganosa. Que palma levará o eng.? Alteração do calendário, com o Verão no Inverno? Poupança draconiana de água? Ferrenho adepto do Protocolo de Quioto, na vertente líquida?
É caso para dizer: as piscinas de Lisboa não sabem nadar, iô!

terça-feira, agosto 15, 2006

Fado moderno


Depois duma quente noite de fado amador, nada como elogiar a nova geração aí presente do que com uma "música" d'A Naifa. Faz parte do álbum de 2004, que lançou pistas para uma música moderna com memória do legado tradicional, sobretudo do fado. Entretanto, o grupo lançou um novo CD, intitulado «3 minutos antes de a maré encher», tb. refrescante, e tem um blogue onde noticia os concertos que vai dando.
A escolha podia ter sido outra, mais clássica, mas não abunda material e... porque não começar pelo mais recente? Larguemos amarras.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Poema de Pessoa

Pobre velha música!
Não sei porque agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.
Fernando Pessoa,
Antologia poética, Público, 1994, p. 61

sábado, agosto 12, 2006

Qing-bu-liang: uma sopa revitalizante em tempos de depressão

Todos os antropólogos têm o seu livro de receitas. Eis uma das primeiras a entrar no meu quando comecei a fazer trabalho de campo no Sudeste da China há quase dez anos atrás. Trata-se de uma pequena amostra do génio culinário do povo cantonense.
Qing-bu-liang (清補涼) é o nome de uma sopa cantonense muito conhecida em toda a China cujos principais ingredientes incluem uma combinação especial de ervas tradicionais chinesas e um pouco de carne de porco (esta última pode ser substituída, no caso dos vegetarianos, por outros ingredientes verdes). A expressão qing-bu-liang é a transcrição fonética em mandarim (a língua oficial chinesa) do nome original desta sopa na língua cantonense: ching-bou-leuhng. Este nome pode parecer muito complicado mas o seu significado literal não podia ser mais simples e revelador. É que ching-bou-leuhng quer dizer: ‘limpo, nutrido e fresco’ (o masculino aqui é universal) e são precisamente esses, como veremos, os efeitos desta sopa mágica no nosso corpo.
Mas antes de passar para as instruções culinárias propriamente ditas, sinto que tenho de vos dar um pouco de tagarela 'sino-antropológica' (eu sei, a palavra é complicada) a propósito desta sopa.
Primeiro que tudo, devo notar que na língua cantonense não se diz “comer sopa” mas “beber sopa” pelo que se quiser mesmo “virar nativo” como um antropólogo não diga que vai “comer uma qing-bu-liang” mas que vai “beber uma qing-bu-liang”. Julgo que este é definitivamente um dos casos em que “virar nativo” é também “virar chique”.
A verdade é que as coisas nem sempre são assim. À primeira vista, poderá parecer bem difícil de perceber o porquê desta preferência uma vez que um dos efeitos fisiológicos mais imediatos desta sopa é precisamente o aumento da transpiração. A explicação mais rápida deste fenómeno aparentemente insensato poderá ser encontrada em manuais de medicina tradicional chinesa que nos recordam que é precisamente durante o verão que os nossos corpos mais precisam de transpirar. Isto porque eles estão sujeitos a um clima muito quente e húmido (o Sudeste da China é subtropical) pelo que estão sempre a acumular aquilo que os médicos chamam sap-yiht (濕熱), isto é, uma espécie de ‘calor húmido corporal’ nada saudável que é preciso eliminar. E é precisamente isso que a qing-bu-liang faz, por isso se diz que ela é capaz de limpar, refrescar e fortalecer os nossos corpos.
Noto no entanto que, ao contrário do que ditam os costumes dos cantoneses, eu prefiro beber esta sopa durante o Inverno ou durante a Primavera (pelo menos quando me encontro a residir em Portugal). Parece-me bem mais adequado ao clima temperado desta parte ocidental da Europa. É claro que é livre de experimentar esta sopa na altura do ano que bem entender.
Existem boas razões - para além das suas virtudes médicas e do seu aroma e sabor deliciosos - para a fazer já nesta Primavera. Trata-se afinal de contas de uma receita milenária, uma receita que remonta pelo menos à dinastia Tang, há mais de 1000 anos atrás quando Portugal ainda nem sequer existia no mapa. Isto quer dizer que quando beber qing-bu-liang estará a beber também um pouco dessa sabedoria antiga. Mas existe ainda uma outra boa razão para arregaçar as mangas para gozar o prazer desta sopa milenária. É que ela não é assim tão difícil de cozinhar como os complicados caracteres chineses nos levam sempre a pensar sobre tudo o que vem do Oriente. O que é mesmo difícil é cozinhá-la na perfeição. Mas isso é outra história.
De qualquer das maneiras, julgo que não tem nada a perder. Pelo contrário, se for bem sucedido, poderá ter dado um passo importante em direcção à 'sobrevivência'. Não tenha dúvidas, estará definitivamente mais bem preparado para enfrentar os complicados desafios destes tempos de depressão contemporâneos. Pense só, mais ‘limpo’, mais ‘nutrido’ e mais ‘fresco’.

Eis as instruções básicas.
Preparações iniciais:
(1) Vá ao supermercado chinês do seu bairro e peça um pacote qing-bu-liang (se tiver dificuldades em fazer-se entender, mostre os caracteres chineses deste blogue). É pouco provável que encontre um supermercado chinês que não venda estes pacotes. De qualquer das maneiras, se isso acontecer, lembre-se que o facto de ter encontrado um dos piores supermercados chineses do mundo só pode querer dizer que teve muito azar. Não se desencoraje!
(2) No caso de querer verificar os conteúdos do pacote para ter a certeza que está a comprar a coisa certa, eis a lista das ervas mais frequentemente usadas nesta sopa: cevada chinesa, inhame selvagem chinês, sementes de euryale, milho, sementes de lótus, sêlo de Salomão e Longan. Se acha que estes nomes em português são complicados, não está sozinho. Eu asseguro-lhe que eles não são menos complicados em chinês.
(3) Vá ao talho para a carne de porco. A melhor parte do porco são os pés. Julgo que em Portugal não terá problemas em encontrar esta parte do porco porque, aqui como na China, é bastante apreciada. Se for vegetariano, salte esta etapa.
(4) Compre cenouras e cogumelos. Note que esta parte não integra a receita clássica. As cenouras adicionarão um gosto algo doce à sopa. A sua textura dura e fibrosa é também boa para o longo tempo da cozedura. O mesmo se pode dizer da textura de alguns tipos de cogumelos.
Dosagem dos ingredientes para uma panela de sopa:
1 pacote Qing-Bu-Liang;
1 pacote Carne de Porco (Pés de Porco);
500g Cenouras (Opção vegetariana);
2 Cogumelos (Opcional/Vegetariano) – 100g.
Instruções de cozedura:
(1) Lave os ingredientes do pacote qing-bu-liang com um coador
(2) Barbeie os pés do porco e escalpe os ossos durante cerca de 2 mins. para limpar o sangue e a gordura
(3) Entorne 8 a 10 tigelas de água (tigelas chinesas de arroz) para uma grande panela, adicione o porco e as ervas e comece a cozinhar a fogo forte até começar a cozer
(4) Corte as cenouras/cogumelos em partes iguais e coloque-as dentro da panela
(5) Coza a fogo brando durante 2 a 3 horas – muitos cantoneses chamam a este fogo brando o mahn-fo (文火), ou o “fogo letrado ou cavalheiro”. Poderá ser giro dizer isso aos seus amigos.
(6) Adicione sal ao seu gosto (deverá fazê-lo durante a cozedura) e, pronto, já está!
Boa sorte!
Gonçalo Duro dos Santos

sexta-feira, agosto 11, 2006

Deleitem-se com Sassy, a incomparável Sarah Vaughan

"Somewhere over the rainbow"

Eis uma grande voz do jazz, talentosa e bonita pra caramba. Nasceu em NJ em 1924, começou a cantar e a tocar piano na igreja quando era criança. Durante os seus quase 50 anos de carreira, interpretou algumas das mais belas canções ao lado de alguns dos maiores da área: Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Miles Davis, Don Cherry, etc. (tb. Ivan Lins). Morreu em 1990, em LA. Não tão icónica qt. Billie Holiday ou Ella Fitzgerald, era no entanto a mais dotada tecnicamente e com maior amplitude vocal.
O video tem um erro na apresentação, ao trocá-la pela Ella Fitzgerald, mas desculpável face à qualidade da versão, do som e da imagem. Vai dedicado a alguém muito especial.
Não percam tb. esta sua versão mt., mt. alegre e divertida, de "You're not my kind", em 1951.
Nb: mais inf. aqui, aqui e aqui, discografia completa aqui, mais 2 videos, pelo menos, no YouTube.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Nas minhas costas?!?! Ess'agora!

"Ameijoas
As ameijoas são moluscos marinhos bivalves com as valvas em gomos muito regulares e de pequenas dimensões, não tendo em geral mais de dois a três centímetros de largura e outro tanto ou menos na altura. São muito vulgares nas nossas costas."
Carlos Bento da Maia, Tratado completo de cozinha e de copa (2.ª ed., Pubs. D. Quixote, Lx., 1995, p. 41)
Nb: imagem dum Ruditapes decussatus, vulgo "amêijoa boa". Ah, malandra!
Fonte: IPIMAR.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Modernidade, resistências e ambiguidades

Aproveito a polémica sobre a natureza do salazarismo (bloguiticamente detonada aqui e regada na respectiva cx. de comentários e aqui), para introduzir um historiador italiano, Stefano Cavazza, dado o seu estimulante contributo para repensar estas questões da natureza ideológica dos regimes da vaga fascista (anos 20/30).
Tendo por pano de fundo o reequacionar do confronto com o tipo extremo representado no nazismo e a propósito das relações entretecidas entre folclorismo, regionalismo cultural, nacionalismo e modernização sob o vinténio fascista, Cavazza diz-nos o seguinte:
"Nos últimos anos a historiografia anglosaxónica propôs o modelo de «modernismo reaccionário» (Jeffrey Herf) para interpretar o caso nazi. Segundo tal modelo, a promoção do desenvolvimento tecnológico inseria-se numa tradição nacionalista e irracionalista fundada na oposição entre Kultur e Zivilisation, e associava-se à reproposição de valores e formas de vida tradicionais. Trata-se certamente duma interpretação pensada a partir da experiência histórica alemã e sujeita a uma verificação por ora apenas parcial mesmo naquela área; contudo, ainda que com muitas cautelas, ela parece-me proponível mesmo noutros contextos nacionais. Da pesquisa feita sobre o folclorismo fascista surgiram diversos elementos com afinidades a um registo deste tipo. Em Itália, na génese do amor pelo folclore estavam a tensão rumo ao passado e aqueloutra rumo ao sistema de valores pré-industriais que se punham em conflito aberto com a evolução coeva dos valores e dos costumes. Esta tensão dialética atravessava até o bloco de consenso [...] e as próprias instituições do regime. [...] o folclore podia bem servir para tentar realizar o desenvolvimento tecnológico, indispensável a uma política de potência no seio dum sistema de valores prémoderno. O folclorismo fascista, a reboque da ideologia da romanidade e dum culto da tradição orientado rumo à latinidade, foi funcional para esta tentativa, fruto bem entendido não dum projecto coerentemente pensado e desenvolvido, mas sim duma interacção de impulsos distintos. [...] A modernização era realmente um processo em curso e, face aos conflitos que ela produzia, as classes dirigentes liberais preferiram juntar-se ao fascismo e a uma tentativa de recompactamento da nação ao qual mesmo o folclorismo deu o seu contributo" (Piccole patrie, Bolonha, Il Mulino, 1997, p.251/2).
Ora, o salazarismo tem afinidades com este magma cultural-ideológico, mas não terá ido tão longe na reformatação dos modelos culturais, daí se poder usar ainda com mais propriedade uma definição como a da resistência à modernidade e de como essa resistência teve consequências nefastas e duradoiras ao nível social, cultural, institucional e mental. Estamos aqui a falar numa dimensão cultural-ideológica, e não económica ou sócio-económica, das elites, correntes e seus interesses. Um fascismo sem movimento de massas (M. Lucena), uma modernização incipiente e desequilibrada sem modernidade cultural e cívica: esta afigura-se-me uma estimulante via a explorar.
É outra perspectiva, uma possibilidade entreaberta para repensar o salazarismo (ou o franquismo, etc.), sob pena de cairmos em balanços quantitativistas escorregadios e relativizadores (crescimento económico, indicadores sócio-económicos brutos e descontextualizados, etc.), ou de estarmos a falar sempre dos mesmos domínios, o económico e o político mais formalistas.
Tomando a deixa de Carlos Leone, algumas das minhas pesquisas vão tb. neste sentido e estão tb. aí disponíveis, em livros (Salazarismo e cultura popular, 2001; A leitura pública no Portugal contemporâneo, 2004) e artigos vários, para escrutínio, apropriação e confronto.
Neste sentido, este tipo de debates não tem estações, vai-se fazendo, à medida das possibilidades de cada um. A blogosfera tem esse potencial: a da maior interactividade, do maior espaço de reflexividade, aprofundamento e pluralidade, da menor pressão do tempo e a da mais fácil remissão e recuperação de textos antigos, ia a dizer arquivados.

terça-feira, agosto 08, 2006

O povo exige: gaspacho!

Vem no autorizado Tratado completo de cozinha e de copa, por isso, pode reproduzir-se:
"É um alimento usado pelos espanhóis, pelo meio dos dias quentes, como alimento e como refresco.
Põe-se pão espanhol numa tigela com água e, depois de bem amolecido, esmaga-se num almofariz com um pouco de sal refinado.
À parte, picam-se pepino e cebola, deitam-se numa saladeira com azeite, vinagre e água fresca; por cima, deita-se-lhe o pão esmagado e serve-se".
Duvidamos que fossse receita exclusivamente espanhola, talvez mediterrânica, há que verificar noutros tratados e noutras fontes.
Cheira a que, por 1904, data da versão original, imperava algum fervor caseiro, desculpável face ao levantamento cuidado e refinado feito por Carlos Bandeira de Melo (1848-1924), oficial do exército e industrial, fundador da Empresa Cerâmica de Lisboa e autor de diversas obras de "utilidade doméstica". E que escrita portuguesa tão elegante, havemos de voltar a ela... Bom apetite!
Carlos Bento da Maia (2.ª ed., Pubs. D. Quixote, Lx., 1995, p. 267)

segunda-feira, agosto 07, 2006

Cena de cinzas-7

Põe-me agosto a balbúrdia rente ao coração.
Camionetas trazem o vulgo de arcas e obtusa
prole. A naftalina da infância nada pode
contra traças tão nutridas.

Lágrimas pirómanas luziam pantalhas,
raso consolo assobiavam os teus olhos
no pontão onde um dia descobrimos
que pecar era bom. Tínhamos o quê?,

quinze anos?, o pão com geleia,
as cinzas do susto, nos palheiros ao longe
onde corre o turvo vento norte
hei-de desenhar-te o rosto a carvão
com esta mão mesma
punheteando o escuro.

Do que morro eu sei: do tinto a granel
nas estrebarias do mundo; dos teus
seios, alegria aos domingos: da pirueta
do alto da falésia p'ra turista ver,
diz-me se gostaste meu coirão.
José Luís Tavares
(Agreste matéria mundo, Porto, Campo das Letras, 2004, p. 138)

domingo, agosto 06, 2006

Ah! minha Dinamene! Assi deixaste

Ah! minha Dinamene! Assi deixaste
quem não deixara nunca de querer-te?
Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!

Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te,
que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que inda tenho por pouco viver triste?
Luís de Camões
(Poesia lírica, 3.ª ed., [Lisboa], Ulisseia, 2002, p. 106)

sábado, agosto 05, 2006

Modern Jazz Quartet: a música radiante


Ora aqui está um grupo fenomenal que nunca mais tocará ao vivo. A última tournée foi há uns anos atrás, e passou por uma Culturgest esgotadíssima. Por isso, nada como ver e ouvir este vídeo disponível, duma das suas melhores interpretações. Esqueçam o uniforme cinzentão, a música é tudo menos isso.
O MJQ surgiu nos anos 50 e revolucionou o jazz, associando-lhe a música clássica, a sageza e virtuosismo dos seus executantes e a sonoridade dum instrumento invulgar mas precioso como o vibrafone. Chamaram-lhes um palavrão feio, third stream, mas é simplesmente uma grande corrente da música universal.
Para findar em beleza, inspiraram-se em Django Reinhardt e até lhe dedicaram um álbum memorável, «Django» (1956). É ver aqui a sua lista imensa de obras. Nb: +inf. aqui.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Escadinhas do Duque, 3.º milénio:

Nem emancipadas nem modernas livres e violentas

Fonte: www.pbase.com

quarta-feira, agosto 02, 2006

Vidal-Nacquet, helenista e do seu tempo (1930-2006)

"Ser historiador era o melhor meio que encontrei de me interessar por tudo o que me apaixonava - a História, é claro, sobretudo a História contemporânea, a Filosofia e a Literatura, ou seja, a poesia, o romance e o teatro. Mas, para além desta procura da totalidade, a História nasceu, para mim, de uma reflexão sobre a tragédia."
O historiador Pierre Vidal-Nacquet faleceu na 6.ª passada, aos 76 anos. Filho de judeus mortos pelos nazis, descobriu a sua vocação na questão judaica (Caso Dreyfus), embora originalmente se tenha dedicado à Grécia antiga.
Empenhou-se civicamente e em questões difíceis: contra a tortura (Argélia colonial, Grécia dos coronéis, agressão da Palestina por Sharon, etc.), a repressão (nas cadeias), o negacionismo do Holocausto, etc..
Vidal-Naquet teve o mérito de escrever simples, o que no espaço francês é um feito. Quem quiser comprovar pode ler um excerto do seu texto Atlantis and the Nations, que consegue juntar os seus 4 temas predilectos: Grécia antiga, povo judaico, nacionalismo e Europa. Nada mau.
Foi director do Centre Louis Gernet de Recherches Comparées sur les Sociétés Anciennes da EHESS (Paris). Algumas das suas obras mais conhecidas são: La Grèce ancienne (1990-92), Les Juifs, la mémoire et le présent (1991) e Mythe et tragédie en Grèce ancienne (com J.-P. Vernant, La Découverte, 2000). Nb: bibliografia original aqui ou aqui; perfil e entrevistas aqui; cit. em Ana Navarro Pedro, "Pierre Vidal-Nacquet, «um historiador militante»", Público, 1/VII, p. 17.
Site Counter
Bpath Counter

fugaparaavitoria[arroba]gmail[ponto]com