domingo, fevereiro 19, 2006

A beatificação das tv’s lusas

Antigamente uma pessoa morria e só 'ressuscitava' nalgum centenário oficioso, se tivesse pedigree e se a sovina alma lusa se dignasse a tanto. Agora não. Na era do chinfrim comunicacional, canta outra música.
Vem isto a propósito da transladação do cadáver da «irmã Lúcia» do Carmelo para o santuário de Fátima, o já chamado 2.º funeral. As tv’s mainstream do burgo logo acorreram a ver qual mobiliza mais recursos e emissão. Enquanto meios de comunicação de massas, é compreensível a atracção por ícones. O problema é o resto: a agenda monopolizada e inventora dum acontecimento, a secundarização da morte, o sensacionalismo que se antevê, a saturação pseudo-informativa, a enésima constatação dum paradigma histriónico e fragmentário.
Invenção dum acontecimento já se vê porquê: a morte e o velório já lá vão, o destaque da transladação é criado pela tv (mesmo prevendo-se de antemão forte afluência). No ocidente, a tv mainstream vive, cada vez mais, da necessidade de sangue novo, saltitando nervosamente entre tragédia, dramatização, exaltação e escândalo, numa esquizofrenia mercantil e manipuladora das emoções. A intempestividade mediática, embora possa contribuir para um sentimento protector de comunhão alargada (na desgraça ou na euforia) e ajudar a revelar casos incómodos para o poder (vd. ponte Entre-os-Rios, etc.), esgota-se no seu ritmo devorador e insaciável. Nesta voragem, em que não há recuo nem tempo para pensar, sacrifica-se a memória e a reflexão; a própria morte é tão-só um pretexto para as tv’s se mostrarem, quase como se elas próprias ansiassem por uma beatificação por interposta personna.
O resto da conversa, sobre o lado obscuro do fenómeno está tudo no romance O milagre segundo Salomé (de José Rodrigues Miguéis), sobre a 'biografia' oculta da defunta é favor consultar http://ateismo.net/diario.
Falta só notar que temos aqui um espectáculo de massas digno de competir com qualquer outro que se faça no país, com raiz recente e fabricada mas nem por isso menos genuína, e que a espiritualidade é fundamental na vida das pessoas, a única dimensão verdadeiramente autêntica no meio disto tudo. Se assente no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana, claro.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E que tal uns números para arregalarmos os olhos?
Megaoperação da RTP: non-stop das 8h30 às 18h, com 130 profissionais mobilizados, 45 câmaras, 4 carros exteriores e 1 helicóptero (in DN de ontem).
Tudo "serviço público", pago pelo contribuinte, está bom de ver.

3:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois é... religiões e televisões são como cães e lobos ,é a mesma familia..."

3:06 da tarde  

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