terça-feira, julho 04, 2006

Balanço do consulado de Blair (impressões de Londres IV)

Em post anterior, revi a política cultural de Blair, avaliada positivamente. Cabe agora abordar as áreas das políticas sócio-económicas e a estratégia política preconizada.
Da pesquisa que pude fazer, os indicadores sociais e económicos são tb. maioritariamente positivos (e melhores do que os dos conservadores), embora haja 2 senões relevantes: 1) as desigualdades sociais extremas mantêm-se quase na mesma; 2) fraca queda do desemprego e mau perfil dos novos empregos. Acresce este detalhe: em 1997, Blair diz que o PIB será o instrumento para aferir da bondade da sua política (Blair said that GDP growth would be the «judge and jury» of Labour's success”), em vez dum Indicador de bem-estar humano/ desenvolvimento sustentado (o IDH- Índice de Des.º Humano da ONU, o GPI- Genuine Progress Indicator, o ISEW- Index of Sustainable Economic Welfare, etc.). Por estranho que pareça, e apesar dos 9 anos de Blair e batalhões de economistas, até hoje o RU não fez a sua série completa de des.º sustentável (cf. aqui). Mas há alguns indicadores já disponíveis: o desemprego pouco baixou; melhorou o capital humano; a mortalidade infantil é quase estacionária ou subiu mesmo em estratos das classes populares, ainda que, no cômputo global com outros indicadores, a desigualdade na saúde desça (cf. aqui).
Quanto ao núcleo ideológico do New Labour, agita uma economia do conhecimento que não obteve grandes resultados no emprego: nos últimos 15 anos o segmento dos «colarinhos brancos» apenas subiu de 35 para 37%, a maior parte dos novos empregos foram para ocupações de baixa qualificação (empregados de limpeza, de lojas e de segurança, assistentes de vendas, recepcionistas, etc.), sendo que, ainda em 2010, 78% dos empregos dispensarão diploma. A sua fraqueza está nisto: o regresso a uma teoria neo-clássica da economia política, cuja prioridade não é a igualdade e a justiça sociais, tudo girando à volta do mercado e do crescimento económico. Sobre o assunto vd. análise aprofundada de Jon Cruddas no tx. «Neo-classical Labour». Aproveitando a boleia do Hugo Mendes, afinam pelo mesmo diapasão o livro Nova economia: novo mito? (vd. resumo deste livro de Jean Gadrey aqui) e o excelente site do Réseau d’alerte sur les inégalités.
Como refere Madeleine Bunting, a armadilha de Blair é cooptar o social para servir o económico, pois, ao falar de responsabilidade individual e de oportunidade (inspirado nas teorias da escolha racional e do capital humano), o fito central é o crescimento. Eis o que nos diz o próprio Blair: “And the huge possibility of this agenda is driven forward by one new political reality. Today, the economic and the social in politics go together. Human capital is the key to economic advancement in a knowledge economy. Individual responsibility is the key to social order. Both depend on developing the potential of all our people to the full to provide a more mobile and a flexible economy”. Na prática, isto vai significar o que já temos, sobretudo para as novas gerações: precaridade laboral, pouco tempo num dado emprego significando a erosão dos mecanismos de lealdade laboral, profissional e social, corroendo os alicerces comunitários e morais. Daqui emergem a anomia e a incapacidade de estabelecer compromissos de longa-duração, de que fala Richard Sennett na obra The corrosion of character (1999). É o reino do individualismo capitalista, tout court. Nada mais há a esperar da sociedade senão servir a economia. Não devia ser o inverso?
O correspondente político disto é a fixação no centro do espectro partidário, com todos os efeitos decorrentes, incluso ao nível do discurso (retomando M. Bunting): "This process began with an attempt to codify intellectually a straightforward move to the political centre. Since then, however, these selfsame ideas have had an ever more systematic influence over public policy making. The most obvious example of this process is in the current debate around the efficient allocative properties of markets and the reform of healthand education policy. Once again, the language of choice is used because of the traction it creates among ruthlessly polled swing voters. Policy is then built around these buzz phrases with reference to rational choice analysis developed by marginalist theories of efficient exchange – in education around the form of parent power, in health around patient choice".
Ilusão? Falhanço? Maus conselheiros? Como, se logo em 1994 o Partido Trabalhista assinara o environmental policy document «In trust for tomorrow»? Má liderança, então?

Outra questão fulcral foi a invasão do Iraque, não só qt. às suas implicações duradoiras a nível mundial como qt. ao modelo de globalização que se preconiza: multilateralismo gizado nos fóruns adequados (a começar pela ONU, protocolos e convenções), ou unilateralismo duma superpotência com negociações pontuais, à la carte, para certos problemas? Este será o tema final do balanço deste consulado.
Nb: links para dados do RU aqui; cartoon «Blair's upward trajectory», por Steve Bell (The Guardian, 2006).
Site Counter
Bpath Counter

fugaparaavitoria[arroba]gmail[ponto]com