terça-feira, junho 27, 2006

Ao cair do pano

A encerrar o debate em que estamos envolvidos, sobre o atrofiamento da crítica na imprensa de referência, surgiu ontem novo contributo de Eduardo Pitta.
Claro, o poder é tão antigo como o homem. O que me preocupa são os bloqueios e entraves indevidos ou despropositados à democratização cultural, que tomam uma dimensão exasperante no nosso país. Talvez fosse chegado o tempo de se poder debater todo e qualquer assunto na perspectiva duma cidadania mais exigente e participada.
A dicotomia elites/povo será óbvia. Contudo, se não se pode destapar a tampa da panela borbulhante, como abrir o debate? Em espaços fisicamente confinados como o dos media tradicionais, não estará o excesso de presença de certos autores, textos e temas em íntima conexão com o olvido ou secundarização doutros autores, textos e temas? E o esquecimento decorrente de opções exageradamente afuniladas não será uma outra forma de censura, velada, sofisticada?
Repare-se no ex. dos suplementos culturais, em escadinha: 1.º vem o espectáculo de massas mais comercial possível (pop, Hollywood, etc.), depois os concertos, as artes plásticas, e, por fim, um cheirinho do restante: a secção dos livros, o teatro, outras músicas, as artes performativas (no caso de estarem todos representados, o que não é garantido). Na secção dos livros, por sua vez, reina, imperial, a ficção (sobretudo o romance, coitado do teatro e do conto), depois a poesia, as biografias, e lá para o fim, envergonhadamente, o ensaio, quase sempre dos mesmos gurus, nativos ou forasteiros. As ciências sociais e humanas é para quando o rei faz anos, ou seja, quando um dos chamados vips decide que chegou a hora de dar mais autógrafos. Será isto um fatalismo luso? E não convirá à democracia e ao espaço público pugnar-se por uma maior diversidade, de temas, autores, textos, ideias, gerações? E será possível dizer que o rei vai nu sem ser em polémicas? Estarão a reflexão de maior fôlego, a criação mais livre e o olhar mais interpelativo condenados a guetos de especialistas e a vida cultural a uma espécie de alinhamento de barraquinhas de diversões? Sem debates, sem polémicas, sem confrontos abertos e circulação abrangente de ideias?
Tb. será óbvia a singularidade autóctene de coexistência de 2 elites, a de 'sangue' e a 'arrivista' ("A única diferença é que em Portugal há dois tipos de elite: uma por direito divino, a qual põe imensa gente a salivar, outra a pulso, tolerada com peso e medida", diz E. Pitta). Dando de barato que esta é uma hierarquização existente, persiste a dúvida: será assim tão óbvio que tudo ocorra no espaço mediático ao arrepio dum mínimo de escrutínio público, será aceitável que a crítica e as opções jornalísticas de fundo não devam passar pelo exame da crítica e do debate de ideias mais generalizado e argumentado? E terá a 2.ª elite que ter tantos entraves pelo caminho?
Aqui ficam, então, questões em jeito de interpelação a todos, correspondendo ao repto de ontem do provedor José Carlos Abrantes ("A arte de perguntar", DN, p. 9).
Nb: cartaz de João Abel Manta («Muito prazer em conhecer vocelências», Bol. Inf. 25 de Abril, 1974, 30x42cm).
ERRATA: Eduardo Pitta corrige hoje, e com razão, um erro meu contido neste post: onde se lê elite arrivista deve ler-se elite que sobe a pulso (termo seu). De facto, não é a mesma coisa, embora estivesse a tentar encontrar 1 sinónimo quando usei aquela expressão. Saí-me mal, mea culpa. Aqui fica a correcção. Quando se escreve de madrugada, correm-se estes riscos.

3 Comments:

Blogger João Miguel Almeida said...

Não posso deixar de estabelecer uma relação entre a asfixia da crítica e a existência dessa dupla elite «de direito divino» e «arrivista». Não havendo uma crítica do valor das obras, a sua importância é medida pelo «valor social» do autor.

10:28 da manhã  
Blogger Daniel Melo said...

Concordo, mas atenção à minha errata neste post.
O "«valor social» do autor" tanto apanhará os de «direito divino» como os arrivistas, mas os que «sobem a pulso» não cabem nessa equação.
Donde, quem avalia estes últimos, caso não exista (ou esteja fortemente debilitada) uma crítica do "valor das obras", como tu lhe chamas, pelo menos no espaço público mais alargado, que é, para todos os efeitos, o dos media?
Uma questão que nos devia intrigar, não é?

10:29 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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9:42 da manhã  

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