quinta-feira, julho 27, 2006

Onde habita o trovão -9

Alvoraçam-me essas casas que primeiro
se erguem dessa névoa de sulfato.
É numa dessas que mora dinamene,
a de insonoro caminhar, leve cântaro
à cabeça, ar de puma ou de gazela
bebendo pelo cachimbo do poente
a prata enegrecida das estrelas.

São adivinhas as marcas que deixam
os seus pés por essas veredas
que um estrépito de maromba agora cobre;
embora durmam ainda os pastores
nesses interiores mergulhados em fuligem.

Os lentes galos
salmodiando a oblíqua indecisão do azul,
espavoram ainda às horas de antigamente.
Mas de dinamene nem o eco minguante
do seu voo, embora nos cimos enevoados
avulte o derramado oiro dos cabelos.

Espantam-me ainda essas casas ardendo
pelo equinócio, seus muros de verde hera,
a névoa de muitos dias. É ao desabrigo
das álgidas madrugadas que a elas regresso,
quando a tenaz do desamor adeja sobre
os errantes rios do coração.
José Luís Tavares, Paraíso apagado por um trovão
(2.ª ed., Cidade da Praia, Spleen Edições, 2004 [or. 2003], p. 21)
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