domingo, janeiro 08, 2006

A campanha de Mário Soares

A campanha de Mário Soares faz-me pensar no Alqueva. Não por Soares ser um elefante branco – o investimento que o país fez nele já foi pago várias vezes –mas por a campanha em si representar uma grande oportunidade perdida, um empreendimento de elevado custo deitado a perder por uma aparente incapacidade básica de pensar estrategicamente.
Isto dito assim parece o cúmulo da arrogância, e talvez seja. Soares, o mestre supremo da política, não sabe estratégia? Obviamente, ele sabe. Mas não seria a primeira vez que comete erros elementares numa eleição presidencial. Em 1985, a sua opção original, mantida até relativamente tarde, foi dirigir toda a campanha ao centro, para apanhar votos a direita. Se alguns amigos mais avisados não tivessem conseguido finalmente convencê-lo a falar para a esquerda na primeira volta (entre outras coisas, foi preciso uma derrota clamorosa do PS numas legislativas), hoje em dia Freitas do Amaral não seria ministro dos negócios estrangeiros do governo Sócrates, porque já teria sido outra coisa.
Na campanha actual, Soares emprega um estilo de ataque: provocações mais ou menos constantes a Cavaco, tentando provocar-lhe reacções danosas. Talvez resulte. Mas também pode ser, e parece mais plausível, que Soares tivesse mais a ganhar em manter uma pose de antigo presidente, reservando os ataques para temas “de substância”.
Aqui e ali surgem indícios de que ele se apercebe do problema. No início do último debate, mencionou a experiência de Cavaco como primeiro-ministro. Sendo este o principal argumento com que se apresenta o candidato apoiado pelo PSD e pelo «outro partido que o apoia», é lógico ir por aí; atacar o ponto forte, em lugar de ficar pelos pontos débeis, que contam pouco. Uma opção clássica em campanhas eleitorais, sobretudo quando se enfrenta um candidato em situação de vantagem.
Infelizmente, Soares desbaratou o tema. Em vez de o explorar como devia, preferiu ataques pessoais. E assim se perdeu uma oportunidade de usar tudo o que foram as falhas de Cavaco, aliás manifestas no facto -- hoje em dia oficialmente reconhecido, e sofrido -- de Portugal não ter aproveitado da melhor forma a adesão à CEE. Se Cavaco fala em atacar a corrupção, não seria natural referir, por exemplo, a corrupção generalizada que acompanhou a chegada dos fundos europeus? Toda a gente sabia que muito do dinheiro entregue às empresas, e não só, estava a ser desviado dos seus fins legítimos. Que fez o governo a esse respeito?
Quando Cavaco compara os índices de desenvolvimento de Portugal e Espanha, utiliza um argumento que devia surgir na boca de Soares. Tendo Cavaco sido primeiro-ministro durante esses cruciais dez primeiros anos, porque é que o país não se desenvolveu como a Espanha? O poder oficial relevante, na altura como hoje, era o do governo. Para quem já não se lembra, Cavaco na altura prometeu um país novo, e, mais do que isso, um homem novo. Claro que as promessas dos políticos não têm de ser levadas a letra. Nalguns casos são sobretudo estratégias de mobilização nacional (e enquanto tal, bem intencionadas, pois visam propiciar e dispor ao progresso). Mas havia nas de Cavaco um inegável compromisso: confiem em mim, que eu mudo o país. Ora a verdade hoje em dia constatada é que o país, após conceder-lhe duas maiorias absolutas, ficou igual a si mesmo, no mau sentido.
Mesmo que Soares não queira acreditar nisso -- afinal, é um optimista incorrigível, e a adesão europeia foi em boa parte obra sua, e ele também esteve no poder, como presidente, durante esses cruciais primeiros dez anos, e o PS também molhou a sopa, e não pouco – com certeza haveria aí matéria para glosar com proveito. Argumentos nessa linha, bem trabalhados (condensados em duas ou três perguntas manhosas, fáceis de compreender por toda a gente e difíceis de responder pelo adversário: que indústrias inovadoras se criaram em Portugal durante esse tempo? Que fez o senhor para ajudar a criá-las?) podiam ter efeito.
Em vez disso, Soares prefere distinguir o homem financeiro – Cavaco -- do homem humanista, solidário, etc -- ele próprio. Isso terá ou não base factual, mas não é um grande argumento para utilizar, sobretudo nesta altura. As pessoas sabem que a questão importante é o desenvolvimento, não ser culto ou ter vagas pretensões socialistas. De resto, mesmo neste último particular Soares não goza de especial crédito, por nunca ter sido, ao contrário de Cavaco, um exemplo ostensivo de frugalidade.
O comportamento de Soares sugere uma renúncia a pensar em profundidade os argumentos, de elaborar uma estratégia e a cumprir disciplinadamente. Em lugar de ideias eficazes (correctas ou não; a demagogia nunca prejudicou ninguém tão experimentado como Soares), bem formuladas e sempre presentes, temos os velhos acessos temperamentais do ex-líder do PS. Por melhores que sejam ou tenham sido os seus instintos, e por mais consoladas que fiquem algumas pessoas, não é a forma de dar alguma esperança a quem gostava mesmo que Cavaco não ganhasse. Ainda por cima, Soares parece já não ser capaz de controlar muito o que diz. Ao longo dos anos, os seus hábitos de expressão pouco finos -- o seu lado ordinário, para falar directamente -- foram ocasionalmente referidos por um ou outro ex-insider, mas em público ele mantinha um certo verniz, mesmo quando usava argumentos baixos (contra Sá Carneiro ao falar de Snu, contra Zenha aludindo ao psiquiatra). Agora esse lado surge à luz do dia, e o público não gosta, conforme se viu pelas reacções ao debate com Cavaco.
A campanha soarista faz-me lembrar o Alqueva por todo o investimento que tanta gente nela faz, e pela inutilidade aparente e irritante do mesmo. Dirigir uma campanha não é só aparecer e falar, por mais alto que se fale. É preciso saber bem o que se vai dizer, e porquê. A menos que se conceba a campanha como um último exercício de auto-indulgência, o que francamente custa a crer. Afinal, se há coisa de que Soares sempre gostou, foi de ganhar.
Talvez a idade lhe tenha feito o mesmo que a tantos outros masoquistas, tornando-o preguiçoso. Ou talvez, muito simplesmente, ele já não seja capaz. Em qualquer caso, para fazer isto mais valia não andar em campanha.

Luís Coelho

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Então e no tempo do Guterres não entrava dinheiro na mesma? Porque não falou dele? O problema de Portugal foi Guterres. Ele é que não investiu na formação. Teve lá 6 anos. Ainda estamos a pagá-lo.

1:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ninguém comenta este texto? Como é possível? Este texto é O texto. O TEXTO.

2:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Deixa-os pousar... o texto é tão looooooooooooooooooooooooooongo que ainda estão a tentar compreender o primeiro parágrafo!

3:32 da manhã  

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