quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Big Sky e Village Green num café da minha rua

Pompeia é a louca da minha rua. Anda todos os dias por aqui, entra nos cafés e senta-se à mesa de quem quer que seja. Fala. Fala e fala sem parar. Nunca está calada. Fala sozinha connosco a uma velocidade estonteante. Solta gargalhadas amiúde - sim, Pompeia ainda gargalha apesar do eclipse. As estórias não têm fim, aliás, duvido também que tenham princípio. Quando ela se senta à nossa frente já vem embalada, apanhamos, como soi dizer-se, a história a meio e saímos dela um pouco mais à frente, muito provavelmente ainda muito longe do fim. Quando deixamos o café ela já está noutra mesa qualquer, com as suas perucas de palhaço, nariz a condizer - tem a mania de brincar ao carnaval entre março e janeiro («fevereiro é p'rós outros que eu não sou garganeira» já lhe ouvi dizer) - e descomanda-se assim, presumivelmente pelo dia todo, até que adormeça (?), penso.

São raros os momentos de silêncio que lhe conheço... mas nesta raridade é que jaz o curioso desta história. Um dia, à minha mesa, Pompeia calou-se. Estranhando o facto, não o percebi imediatamente. Foi só quando se levantou e se pôs a dançar que compreendi que era a música. Pompeia, a D. Pompeia, como lhe chamamos, é louca (isto não é graçola fácil) pelos Kinks. Depois de terminada a canção na rádio, sentou-se de novo, mais calma, mais serena, por instantes... e começou uma história nova (afinal as suas narrações sempre têm princípio, pelo menos princípio). Londres, anos 60, namorados, Ray Davies. Desta vez apanhei-lhe o fio condutor ao pedaço de memória que desfiava. Diz ter sido nada mais nada menos que namorada de Ray Davies.

Abro aqui um parêntese para dizer que acredito que dificilmente acreditem nisto. No entanto, não é impossível. Fisicamente, pelo menos, pode ter acontecido. Pompeia aparenta ter agora entre 55 e 65 anos, logo por aí não falta à verdade.

A canção dessa tarde era Big Sky - uma das minha canções favoritas de Davies - e Pompeia cantou-a inteira, de uma ponta à outra, enquanto a dançava. Pensei que aquela magistral letra, ainda por cima, fazia um sentido danado na sua boca inteira. Saí pouco depois do café, ela já há um bom bocado que estava outra vez perdida, totalmente esgotada nos detalhes da sua história com princípio mas pouco mais... Pompeia, uma ex-namorada de Ray Davies, dança Big Sky à minha mesa e perde-se em seguida. Nem sei que pense, mas sei no entanto o que gostaria de fazer. Um dia, em tendo tempo - será por certo preciso muito tempo para Pompeia - deixar-me-ei ficar sentado à sua frente, e talvez, mas só talvez, nos poderemos rir e falar, cada um de nós, da sua Village Green.
It's a deal.
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