sábado, fevereiro 18, 2006

«A blasfémia é um crime sem vítimas»

Enquanto a polémica iconoclasta prossegue, foi aprovado, no Reino-Unido, um projecto-lei sobre o Ódio Racial e Religioso, que protege a liberdade de expressão .
O pretexto foi a forte hostilidade à oposição de muitos muçulmanos britânicos à invasão do Iraque (incluindo os ligados ao Partido Trabalhista). Por 3 vezes Blair quis inserir a proibição da blasfémia, por 3 vezes uma maioria clarividente conseguiu travá-lo. Este processo sinuoso mas com fim feliz foi, entretanto, brilhantemente exposto por Salman Rushdie (vd. DN de ontem, sup.º 6.ª). Está de parabéns a democracia inglesa, portanto.
A liberdade de expressão é inalienável, mas no contexto actual um pouco de bom senso e de lucidez não faria mal a ninguém. O jornal dinamarquês de extrema-direita que iniciou este caso não pretendia defender a Liberdade, tão-só atear o fogo do ódio e da violência xenófoba. Responderam-lhe os extremistas do outro lado, que vivem da escalada de violência e irracionalidade, e parte da rua árabe que ignora o fundamento da liberdade de expressão num Estado de direito e laico, está ressentida com as contradições e injustiças da política externa de parte do mundo ocidental e receia a mudança. O reforço eleitoral do islamismo no mundo é também consequência da falta de tacto na ocupação do Iraque. E a imprensa local livre já está sendo afectada com este banzé.
Por isso, concordo com o post do Nuno Sousa aqui em baixo, que situa a posição do mNE. Deve-se tentar pôr água na fervura, e para tal é preciso consistência: uma política externa que invista mais na aproximação ao Magrebe, aqui tão perto de nós e tão ignorado. Que reforce o apoio à circulação de estudantes, intelectuais, cientistas, artistas, ONG's, etc.. Que aposte mais no intercâmbio cultural, informativo, científico, tecnológico, desportivo (sim, por que não no futebol?), turístico, etc.. E, claro, que faça a pedagogia da liberdade de expressão e do escrutínio público, começando por tentar acudir à crise da sua própria democracia representativa.
Quanto à livre opinião, é graças a ela que amanhã poderemos postar sobre a transladação mediática. Há apenas 50 anos atrás um livro dum intelectual português foi proibido e o seu autor teve que se exilar: trata-se da obra Cristianismo, de Agostinho da Silva. Infelizmente, outros exemplos se sucederam, mesmo já em democracia, como o célebre caso do Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago. E foi só há cerca de uma década, é bom relembrá-lo.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Viva o D. Melo blogueiro! gente como tu faz falta na rede .Abração do Pitecos

7:34 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida said...

Antes de mais, parabéns pela entrada na blogosfera. Quanto ao Saramago, não há pachorra: na década de 90 «exilou-se» em Espanha alegando ser perseguido pela sanha de um secretário da
Cultura. Agora dá um depoimento ao «Público» condenando a publicação das caricaturas. E a imagem não podia ser pior: da mesma forma que um empregado não critica um patrão, o «bom senso» desaconselha a crítica aos islâmicos. Se a esquerda é isto, então o que é a direita?
Verdadeiramente patético é que Saramago não perceba que «O Evangelho segundo Jesus Cristo» é um livro blasfemo...para os islâmicos. Os muçulmanos acreditam que Jesus da Nazaré foi um profeta gerado por uma virgem e que não foi crucificado, pois Deus não deixa que o sangue dos profetas seja derramado. Enfim, o mundo não cessa de girar e há quem fique tonto.

11:51 da tarde  

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