Uma crónica de desemprego
Anteontem saí do meu hotel, numa praça de Estugarda, às 7:30h da manhã rumo ao táxi que tinha pedido minutos antes para me levar ao local de trabalho, a norte da cidade. Partilhei o táxi com uma designer industrial. Perguntou-me se falava algum alemão, ao que respondi que não, que nem uma palavra. Perguntou-me depois que línguas falava então, respondi, e percebeu que eu era português. Disse-me que pretendia vir com amigos visitar o país, este ano, por uma semana. Já cá esteve antes, mas foi há vinte anos. Chocou-a a pobreza nas ruas. O analfabetismo, a imensa quantidade de gente que encontrou e que lhe disse não saber ler nem escrever. Não fazia ideia que pudesse haver miséria assim na Europa ocidental nos anos 80. Frisou bem que a economia alemã, sobretudo nesses anos, era um portento de força. Havia emprego para quem quisesse, mas mesmo quem não o quisesse poderia perfeitamente viver do subsídio de desemprego. Chegava e bastava. Com o esforço da reunificação às costas, porém, tudo mudou. Agora as coisas estão muito complicadas (fala uma designer industrial, talvez com 40 anos de idade, não perguntei). O subsídio, agora, mal dá para viver, por isso, perder o emprego é algo muito temido por qualquer cidadão alemão. No país, diz-me, há oficialmente qualquer coisa como 5.000.000 (cinco milhões) de desempregados. Mas na sua maneira de ver são muitos mais, porque há muita gente que faz outras coisas para tentar viver melhor, coisas que não têm nada que ver com a sua formação, biscates para compensar a pobreza do subsídio de desemprego, sempre ganham mais algum. E pergunta-me: são desempregados ou não? Não podem exercer a sua profissão, como tal, conclui ela, são desempregados. O governo diz que não mas ela acha que sim. Eu digo que não sei, mas que provavelmente ela tem razão. Pelas suas contas há por certo cerca de 6.000.000 de desempregados no país.
Estamos no último semáforo vermelho antes de eu descer e arrancar, por volta das dez para as oito, para mais um dia de trabalho. O táxi pára onde eu peço. Ela olha para o taxímetro, olha-me pelo retrovisor e diz-me quanto lhe devo. Pago-lhe, desejo-lhe um bom dia e umas boas férias em Portugal, no verão. Pergunta-me se ainda há muitos pobres nas nossas ruas. Acho que sim, talvez menos que nos anos 80, mas mais que há 4 ou 5 anos. Despeço-me dizendo apenas mais uma coisa: vais encontrar muitos desempregados... mas menos analfabetos. E boa sorte.
1 Comments:
É a agenda esquecida na Europa, de que ninguém quer falar, nem mesmo os sindicatos, mais preocupados com aumentos salariais e a defesa de privilégios corporativos.
Sobre o assunto vem a propósito a peça da Lúcia Sigalho, agora estreada no S. Luiz, baseado nos livros pretos de Gonçalo M. Tavares. Ide ver, é todo um novo teatro.
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