segunda-feira, novembro 27, 2006

Mondovino, episódio luso

Nem de propósito, li este sáb.º que o empório do crítico de vinhos Robert Parker aterrou por estas bandas. Não, não é o próprio, que «não tem tempo para tudo», mas um seu apêndice, Mark Squires, da Wine Advocate, a revista de Parker. Mondovino, de que falara neste post, tem aqui um novo episódio em potência.
Do que está em jogo informa-nos um dos melhores críticos de vinhos portugueses, David Lopes Ramos (Público, 25/XI, p. 25-Fugas).
Castas locais como a Touriga Nacional e Touriga Franca nem pensar, não se vendem nos EUA. Quem dita o gosto é o paladar americano, donde, escaparão alguns produtores sulistas de Syrah ou Cabernet Sauvignon. As sentenças encadeiam-se, fulminantes: "Squires, apesar de ainda só ter provado umas três centenas de vinhos de mesa de um país que produz milhares, tem pressa e, após informar que o seu primeiro artigo, no Wine Advocate [..], incidirá «maioritariamente no Douro», acrescenta que já concluiu que esta região não é «uma das zonas de excelência mundial». Há nesta opinião, uma visível arrogância e uma ligeireza quase insultuosa, por a amostra em que se baseia ser claramente insuficiente".
Para tentar disfarçar a desfaçatez, Squires lá vai dizendo que pois, alguns vinhos lusos até têm qualidadesão bons vinhos», deixa escapar) mas, porém, todavia: "«Muitos mostram tendências que os prejudicam, nos mercados internacionais». Concretizando: «A marioria tem sabores e aromas desconhecidos»; «há uma tendência geral para apresentarem taninos muito duros e rústicos»; têm «demasiada adstringência, pouca fruta no meio do palato, e um lado selvagem», que confessa não apreciar".
David Lopes Ramos não tem papas na língua quanto a este tipo de procedimentos: "Já se está a ver do que Squires gosta: de vinhos bonitinhos, elaborados com castas que lhe são familiares e que não questionem os seus padrões de gosto. Que lhe façam bom proveito e ao seu «paladar americano». Mark Squires poderá ser um crítico influente nos EUA, mas há uma regra básica desta actividade que aparenta desconhecer. Ficam a saber com o que se pode contar do lado da influente Wine Advocate".
Enfim, e não é que parece mesmo virem aí umas invasões bárbaras, directamente do coração do império para os vinhedos alentejanos? Para uvita que dizem não ser grande espingarda, soa bizarro, mas que sabemos nós?
Nb: imagem retirada daqui; título do tx. de DLR: "Parker, Squires e os vinhos portugueses".

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Simpatizo muito francamente com este 'post'.

Julgo que o que falta mesmo ao vinho produzido em portugal não é tanto qualidade mas espírito empresarial: a melhor maneira de combater idiotas à la Wine Advocate.

4:43 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Vamos lá ver... sem querer fazer de advogado do Diabo nem desfazer o que foi dito, apenas querendo relativizar e talvez dar a conhecer a outra face da moeda: em termos comparativos, se aquilo a que se chama de "zona de excelência mundial" na produção de vinho, basta uma amostra de prova de 300 vinhos diferentes para se concluir se a região é digna desse nome ou não - mesmo que essas zonas produzam milhares de vinhos diferentes.
Mas claro está remete à definição de o que é uma "zona de excelência mundial", quais são os parâmetros que a definem e as suas características? Da perspectiva capistalista (e vindo de um americano não seria de esperar outra coisa.. ) um dos requisitos necessários pelos vistos é o de possuir numa amostra de 300, independentemente da quantidade de tipos de vinhos produzidos na região, os dados necessários para chegar a uma conclusão. Isso não implica que UM, ou dois, ou 3.. ou uma dezena desses milhares de vinhos da região do Douro não se equiparem a alguns dos considerados MELHORES do mundo.
No entanto, da sua perspectiva, isso não é suficiente para considerar a região como "zona de excelência mundial".

Evidemente, para muitos que gostam de bom vinho e não de quantidade, considerem segundo os seus critérios a região do Douro de excelência.

8:12 da tarde  
Blogger Daniel Melo said...

Atenção: os tais 300 vinhos provados não eram só da região do Douro mas de todo o país. Segundo o IVV, Portugal tem 8 regiões vinícolas (de regional wines) e 32 denominações de origem. Portanto, são os 300 a dividir por isto tudo, ou, no mínimo, pelas tais 8 regiões.
Ademais, o que é preocupante é a inversão dos critérios: não se trata de critérios estabelecidos pelos críticos, mas sim pelo mercado (o tal "paladar americano"). O que é preocupante é a falta de rigor, a deturpação, a demagogia.
Ultimamente, os vinhos portugueses têm subido de qualidade, e internacionalmente várias são as regiões portuguesas que têm vindo a marcar terreno junto de críticos prestigiados e a ganhar prémios de prestígio em concursos internacionais de referência (sobretudo do Douro, Alentejo e Dão).
Não valerá a pena reflectir mais sobre esta situação?
Aceitar o confronto mas de acordo com critérios sérios e contextualizados?

9:50 da tarde  
Blogger Daniel Melo said...

E, já agora, um termo de comparação: João Afonso inclui 1787 provas no seu anuário de 2006.
O reconhecido crítico de vinhos refere nesse anuário que o vinho luso subiu de qualidade entretanto, mas com algumas tendências negativas que convocam o contexto das reflexões deste post:
"como não há bela sem senão, o «choque» [tecnológico] também nos remeteu para um tipo de vinho algo repetitivo, a maioria das vezes com excesso de fruta, o que se convencionou designar precisamente «tecnológico»: vinhos oriundos de vinificações muito controladas onde a mão do enólogo é guiada mais pelos manuais e tendências de mercado do que pela sensibilidade e gosto próprios.
"A somar a este afunilamento de critérios tem-se difundido uma moda mais ou menos incompreensível de vinhos de qualidade sobrealcoólicos e sobretudo pouco amigos da comida, ou seja, que raramente aguentam uma refeição do princípio ao fim, feitos mais para um carácter americano do que mediterrânico. Esta é a presente realidade na qual começam a surgir sinas de tendências opostas que poderão com mais algumas vindimas repor algum equilíbrio na oferta de vinhos de qualidade." (in Anuário de vinhos 2006, Lx., Livros Cotovia, 2006, p. 14).
É caso para dizer: há 'críticas' de vinho que a única coisa que pretendem é condicionar os produtores (e os consumidores) a seguirem por uma única via. Tal e qual como o «pensamento único».

10:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ok, já compreendo melhor. São as leis do mercado e a voz do dinheiro e da ganância de enriquecer a falarem mais alto que a tradição e a qualidade de produção. Felizmente, sempre há uns "resistentes"... ou dito por outras palavras, uns produtores que continuam a fazer o que sempre fizeram.

3:32 da manhã  

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