sábado, fevereiro 25, 2006
Anteontem saí do meu hotel, numa praça de Estugarda, às 7:30h da manhã rumo ao táxi que tinha pedido minutos antes para me levar ao local de trabalho, a norte da cidade. Partilhei o táxi com uma designer industrial. Perguntou-me se falava algum alemão, ao que respondi que não, que nem uma palavra. Perguntou-me depois que línguas falava então, respondi, e percebeu que eu era português. Disse-me que pretendia vir com amigos visitar o país, este ano, por uma semana. Já cá esteve antes, mas foi há vinte anos. Chocou-a a pobreza nas ruas. O analfabetismo, a imensa quantidade de gente que encontrou e que lhe disse não saber ler nem escrever. Não fazia ideia que pudesse haver miséria assim na Europa ocidental nos anos 80. Frisou bem que a economia alemã, sobretudo nesses anos, era um portento de força. Havia emprego para quem quisesse, mas mesmo quem não o quisesse poderia perfeitamente viver do subsídio de desemprego. Chegava e bastava. Com o esforço da reunificação às costas, porém, tudo mudou. Agora as coisas estão muito complicadas (fala uma designer industrial, talvez com 40 anos de idade, não perguntei). O subsídio, agora, mal dá para viver, por isso, perder o emprego é algo muito temido por qualquer cidadão alemão. No país, diz-me, há oficialmente qualquer coisa como 5.000.000 (cinco milhões) de desempregados. Mas na sua maneira de ver são muitos mais, porque há muita gente que faz outras coisas para tentar viver melhor, coisas que não têm nada que ver com a sua formação, biscates para compensar a pobreza do subsídio de desemprego, sempre ganham mais algum. E pergunta-me: são desempregados ou não? Não podem exercer a sua profissão, como tal, conclui ela, são desempregados. O governo diz que não mas ela acha que sim. Eu digo que não sei, mas que provavelmente ela tem razão. Pelas suas contas há por certo cerca de 6.000.000 de desempregados no país.
Estamos no último semáforo vermelho antes de eu descer e arrancar, por volta das dez para as oito, para mais um dia de trabalho. O táxi pára onde eu peço. Ela olha para o taxímetro, olha-me pelo retrovisor e diz-me quanto lhe devo. Pago-lhe, desejo-lhe um bom dia e umas boas férias em Portugal, no verão. Pergunta-me se ainda há muitos pobres nas nossas ruas. Acho que sim, talvez menos que nos anos 80, mas mais que há 4 ou 5 anos. Despeço-me dizendo apenas mais uma coisa: vais encontrar muitos desempregados... mas menos analfabetos. E boa sorte.
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
Identidade e violência
Amartya Sen, o economista mais estimulante da actualidade, está de volta, com o ensaio Identity and violence, a editar pela Penguin em Junho (mas sobre o qual já há informação).
A nova etapa do seu percurso traz-nos um contributo profundamente actual. O «Fuga para a vitória», atento aos grandes temas, avança uma leitura genérica em 1.ª mão.
O 'antecipado' livro é uma reflexão imediata sobre um tema que tem dominado a agenda britânica, as implicações político-sociais internas da conjuntura pós-invasão do Iraque. Mas, dadas a sua riqueza e alcance, converte-se numa reflexão universal sobre a questão identitária e o poder que a tenta condicionar e moldar.
A tese de Sen é tão simples quanto dolorosa: o apoio afunilado de Blair a certas congregações religiosas não-oficiais como tentativa de diálogo com as minorias internas no pós-ocupação do Iraque está promovendo uma identidade monista. Deste modo, acaba por agravar a situação, tornando a vida das pessoas dessas minorias não só mais segregada como comprometendo a essência da própria democracia intercultural em que se pretende fundar a pós-modernidade ocidental. Esta assenta, basicamente, na defesa e promoção da liberdade e da inclusão em todas as suas dimensões, política, social, cultural e económica. Tal coloca a questão de saber se a própria relação histórica do Estado britânico com a Igreja calvinista não terá influenciado uma decisão eminentemente conservadora, comunitarista no mau sentido, donde, anti-democrática.
Na interessante entrevista que concedeu ao The Guardian a 18/2, Sen não o refere, mas está implícito que subscreveria, ao invés, o apoio oficial ao leque mais diversificado possível de associações voluntárias, não só as das minorias como das restantes, desde que estas promovessem uma política de inclusão universalista. E, também, se centraria no amparo à iniciativa privada dos indíviduos comuns, ele que é um especialista nos estudos sobre o microcrédito e nas soluções para vencer a pobreza e exclusão económicas (a propósito, cabe aqui referir a sua autobiografia nobélica).
Este seu estudo é uma espécie de prolongamento da reflexão anterior sobre os lugares de identidade plural na sua pátria indiana, contida no livro The argumentative Indian (vd. recensão aqui).
Este seu estudo é uma espécie de prolongamento da reflexão anterior sobre os lugares de identidade plural na sua pátria indiana, contida no livro The argumentative Indian (vd. recensão aqui).
É claro que a imprensa lusa tem coisas mais importantes em que investir do que nestas questões menores da democracia, da pluralidade identitária e da desconstrução das opções oficiais aparentemente naturais.
Talvez os editores estejam mais atentos.
E lá vai a blogosfera marcando pontos. Valha-nos isso. E N.ª Sr.ª de Fátima.
E lá vai a blogosfera marcando pontos. Valha-nos isso. E N.ª Sr.ª de Fátima.
domingo, fevereiro 19, 2006
A beatificação das tv’s lusas
Antigamente uma pessoa morria e só 'ressuscitava' nalgum centenário oficioso, se tivesse pedigree e se a sovina alma lusa se dignasse a tanto. Agora não. Na era do chinfrim comunicacional, canta outra música.
Vem isto a propósito da transladação do cadáver da «irmã Lúcia» do Carmelo para o santuário de Fátima, o já chamado 2.º funeral. As tv’s mainstream do burgo logo acorreram a ver qual mobiliza mais recursos e emissão. Enquanto meios de comunicação de massas, é compreensível a atracção por ícones. O problema é o resto: a agenda monopolizada e inventora dum acontecimento, a secundarização da morte, o sensacionalismo que se antevê, a saturação pseudo-informativa, a enésima constatação dum paradigma histriónico e fragmentário.
Invenção dum acontecimento já se vê porquê: a morte e o velório já lá vão, o destaque da transladação é criado pela tv (mesmo prevendo-se de antemão forte afluência). No ocidente, a tv mainstream vive, cada vez mais, da necessidade de sangue novo, saltitando nervosamente entre tragédia, dramatização, exaltação e escândalo, numa esquizofrenia mercantil e manipuladora das emoções. A intempestividade mediática, embora possa contribuir para um sentimento protector de comunhão alargada (na desgraça ou na euforia) e ajudar a revelar casos incómodos para o poder (vd. ponte Entre-os-Rios, etc.), esgota-se no seu ritmo devorador e insaciável. Nesta voragem, em que não há recuo nem tempo para pensar, sacrifica-se a memória e a reflexão; a própria morte é tão-só um pretexto para as tv’s se mostrarem, quase como se elas próprias ansiassem por uma beatificação por interposta personna.
O resto da conversa, sobre o lado obscuro do fenómeno está tudo no romance O milagre segundo Salomé (de José Rodrigues Miguéis), sobre a 'biografia' oculta da defunta é favor consultar http://ateismo.net/diario.
Falta só notar que temos aqui um espectáculo de massas digno de competir com qualquer outro que se faça no país, com raiz recente e fabricada mas nem por isso menos genuína, e que a espiritualidade é fundamental na vida das pessoas, a única dimensão verdadeiramente autêntica no meio disto tudo. Se assente no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana, claro.
Vem isto a propósito da transladação do cadáver da «irmã Lúcia» do Carmelo para o santuário de Fátima, o já chamado 2.º funeral. As tv’s mainstream do burgo logo acorreram a ver qual mobiliza mais recursos e emissão. Enquanto meios de comunicação de massas, é compreensível a atracção por ícones. O problema é o resto: a agenda monopolizada e inventora dum acontecimento, a secundarização da morte, o sensacionalismo que se antevê, a saturação pseudo-informativa, a enésima constatação dum paradigma histriónico e fragmentário.
Invenção dum acontecimento já se vê porquê: a morte e o velório já lá vão, o destaque da transladação é criado pela tv (mesmo prevendo-se de antemão forte afluência). No ocidente, a tv mainstream vive, cada vez mais, da necessidade de sangue novo, saltitando nervosamente entre tragédia, dramatização, exaltação e escândalo, numa esquizofrenia mercantil e manipuladora das emoções. A intempestividade mediática, embora possa contribuir para um sentimento protector de comunhão alargada (na desgraça ou na euforia) e ajudar a revelar casos incómodos para o poder (vd. ponte Entre-os-Rios, etc.), esgota-se no seu ritmo devorador e insaciável. Nesta voragem, em que não há recuo nem tempo para pensar, sacrifica-se a memória e a reflexão; a própria morte é tão-só um pretexto para as tv’s se mostrarem, quase como se elas próprias ansiassem por uma beatificação por interposta personna.
O resto da conversa, sobre o lado obscuro do fenómeno está tudo no romance O milagre segundo Salomé (de José Rodrigues Miguéis), sobre a 'biografia' oculta da defunta é favor consultar http://ateismo.net/diario.
Falta só notar que temos aqui um espectáculo de massas digno de competir com qualquer outro que se faça no país, com raiz recente e fabricada mas nem por isso menos genuína, e que a espiritualidade é fundamental na vida das pessoas, a única dimensão verdadeiramente autêntica no meio disto tudo. Se assente no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana, claro.
sábado, fevereiro 18, 2006
Um apelo
O Fuga Para A Vitória pretende juntar-se às comemorações nacionais que se prometem para o dia de amanhã. Fique pois aqui registado que nós, daqui deste canto da ocidental praia lusitana, mesmo que contra tudo e contra todos, proclamamos o dia 19 de Fevereiro como feriado nacional: Dia da Trasluciação na República.
E tenho dito.
E tenho dito.
«A blasfémia é um crime sem vítimas»
Enquanto a polémica iconoclasta prossegue, foi aprovado, no Reino-Unido, um projecto-lei sobre o Ódio Racial e Religioso, que protege a liberdade de expressão .
O pretexto foi a forte hostilidade à oposição de muitos muçulmanos britânicos à invasão do Iraque (incluindo os ligados ao Partido Trabalhista). Por 3 vezes Blair quis inserir a proibição da blasfémia, por 3 vezes uma maioria clarividente conseguiu travá-lo. Este processo sinuoso mas com fim feliz foi, entretanto, brilhantemente exposto por Salman Rushdie (vd. DN de ontem, sup.º 6.ª). Está de parabéns a democracia inglesa, portanto.
A liberdade de expressão é inalienável, mas no contexto actual um pouco de bom senso e de lucidez não faria mal a ninguém. O jornal dinamarquês de extrema-direita que iniciou este caso não pretendia defender a Liberdade, tão-só atear o fogo do ódio e da violência xenófoba. Responderam-lhe os extremistas do outro lado, que vivem da escalada de violência e irracionalidade, e parte da rua árabe que ignora o fundamento da liberdade de expressão num Estado de direito e laico, está ressentida com as contradições e injustiças da política externa de parte do mundo ocidental e receia a mudança. O reforço eleitoral do islamismo no mundo é também consequência da falta de tacto na ocupação do Iraque. E a imprensa local livre já está sendo afectada com este banzé.
Por isso, concordo com o post do Nuno Sousa aqui em baixo, que situa a posição do mNE. Deve-se tentar pôr água na fervura, e para tal é preciso consistência: uma política externa que invista mais na aproximação ao Magrebe, aqui tão perto de nós e tão ignorado. Que reforce o apoio à circulação de estudantes, intelectuais, cientistas, artistas, ONG's, etc.. Que aposte mais no intercâmbio cultural, informativo, científico, tecnológico, desportivo (sim, por que não no futebol?), turístico, etc.. E, claro, que faça a pedagogia da liberdade de expressão e do escrutínio público, começando por tentar acudir à crise da sua própria democracia representativa.
Quanto à livre opinião, é graças a ela que amanhã poderemos postar sobre a transladação mediática. Há apenas 50 anos atrás um livro dum intelectual português foi proibido e o seu autor teve que se exilar: trata-se da obra Cristianismo, de Agostinho da Silva. Infelizmente, outros exemplos se sucederam, mesmo já em democracia, como o célebre caso do Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago. E foi só há cerca de uma década, é bom relembrá-lo.
O pretexto foi a forte hostilidade à oposição de muitos muçulmanos britânicos à invasão do Iraque (incluindo os ligados ao Partido Trabalhista). Por 3 vezes Blair quis inserir a proibição da blasfémia, por 3 vezes uma maioria clarividente conseguiu travá-lo. Este processo sinuoso mas com fim feliz foi, entretanto, brilhantemente exposto por Salman Rushdie (vd. DN de ontem, sup.º 6.ª). Está de parabéns a democracia inglesa, portanto.
A liberdade de expressão é inalienável, mas no contexto actual um pouco de bom senso e de lucidez não faria mal a ninguém. O jornal dinamarquês de extrema-direita que iniciou este caso não pretendia defender a Liberdade, tão-só atear o fogo do ódio e da violência xenófoba. Responderam-lhe os extremistas do outro lado, que vivem da escalada de violência e irracionalidade, e parte da rua árabe que ignora o fundamento da liberdade de expressão num Estado de direito e laico, está ressentida com as contradições e injustiças da política externa de parte do mundo ocidental e receia a mudança. O reforço eleitoral do islamismo no mundo é também consequência da falta de tacto na ocupação do Iraque. E a imprensa local livre já está sendo afectada com este banzé.
Por isso, concordo com o post do Nuno Sousa aqui em baixo, que situa a posição do mNE. Deve-se tentar pôr água na fervura, e para tal é preciso consistência: uma política externa que invista mais na aproximação ao Magrebe, aqui tão perto de nós e tão ignorado. Que reforce o apoio à circulação de estudantes, intelectuais, cientistas, artistas, ONG's, etc.. Que aposte mais no intercâmbio cultural, informativo, científico, tecnológico, desportivo (sim, por que não no futebol?), turístico, etc.. E, claro, que faça a pedagogia da liberdade de expressão e do escrutínio público, começando por tentar acudir à crise da sua própria democracia representativa.
Quanto à livre opinião, é graças a ela que amanhã poderemos postar sobre a transladação mediática. Há apenas 50 anos atrás um livro dum intelectual português foi proibido e o seu autor teve que se exilar: trata-se da obra Cristianismo, de Agostinho da Silva. Infelizmente, outros exemplos se sucederam, mesmo já em democracia, como o célebre caso do Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago. E foi só há cerca de uma década, é bom relembrá-lo.
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Conselho aos jovens
Jovem, se não tens pais ricos nem ganhaste a lotaria, mantem-te a léguas dos bancos.
Sopas e descanso (à guisado de apresentação)
O grande dia chegou! Finalmente fui convidado para ser bloguista colectivo, ainda por cima num blogue com grande passada.
A 1.ª reacção foi de júbilo e trombetas no céu radioso: atingira a maioridade!
Seguiu-se-lhe a queda: idade adulta significa seriedade, logo, adeus aos comentários de miúdo reguilas, do tipo cospe-e-foge. O céu ia-se carregando: o ritmo agora era outro, que nesta coisa da blogosfera lusa domina o frenesim comunicacional. A resposta veio lesta e solidária, do género lamento partilhado sobre a agitação da vida moderna, o que só piorou as coisas...
Aqui fica, então, lavrado o compromisso duma postura séria e responsável, como a dos heróis dos filmes de Hollywood. Acabaram as tiradas picantes, a insolência e o sarcasmo gratuito.
A sério: o que a malta precisa é de sopas e descanso, servidas por uma sueca semi-analfabeta leitora de revistas cor-de-rosa à beira dum lago dos fiordes. Mai nada.
A 1.ª reacção foi de júbilo e trombetas no céu radioso: atingira a maioridade!
Seguiu-se-lhe a queda: idade adulta significa seriedade, logo, adeus aos comentários de miúdo reguilas, do tipo cospe-e-foge. O céu ia-se carregando: o ritmo agora era outro, que nesta coisa da blogosfera lusa domina o frenesim comunicacional. A resposta veio lesta e solidária, do género lamento partilhado sobre a agitação da vida moderna, o que só piorou as coisas...
Aqui fica, então, lavrado o compromisso duma postura séria e responsável, como a dos heróis dos filmes de Hollywood. Acabaram as tiradas picantes, a insolência e o sarcasmo gratuito.
A sério: o que a malta precisa é de sopas e descanso, servidas por uma sueca semi-analfabeta leitora de revistas cor-de-rosa à beira dum lago dos fiordes. Mai nada.
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
Big Sky e Village Green num café da minha rua
Pompeia é a louca da minha rua. Anda todos os dias por aqui, entra nos cafés e senta-se à mesa de quem quer que seja. Fala. Fala e fala sem parar. Nunca está calada. Fala sozinha connosco a uma velocidade estonteante. Solta gargalhadas amiúde - sim, Pompeia ainda gargalha apesar do eclipse. As estórias não têm fim, aliás, duvido também que tenham princípio. Quando ela se senta à nossa frente já vem embalada, apanhamos, como soi dizer-se, a história a meio e saímos dela um pouco mais à frente, muito provavelmente ainda muito longe do fim. Quando deixamos o café ela já está noutra mesa qualquer, com as suas perucas de palhaço, nariz a condizer - tem a mania de brincar ao carnaval entre março e janeiro («fevereiro é p'rós outros que eu não sou garganeira» já lhe ouvi dizer) - e descomanda-se assim, presumivelmente pelo dia todo, até que adormeça (?), penso.
São raros os momentos de silêncio que lhe conheço... mas nesta raridade é que jaz o curioso desta história. Um dia, à minha mesa, Pompeia calou-se. Estranhando o facto, não o percebi imediatamente. Foi só quando se levantou e se pôs a dançar que compreendi que era a música. Pompeia, a D. Pompeia, como lhe chamamos, é louca (isto não é graçola fácil) pelos Kinks. Depois de terminada a canção na rádio, sentou-se de novo, mais calma, mais serena, por instantes... e começou uma história nova (afinal as suas narrações sempre têm princípio, pelo menos princípio). Londres, anos 60, namorados, Ray Davies. Desta vez apanhei-lhe o fio condutor ao pedaço de memória que desfiava. Diz ter sido nada mais nada menos que namorada de Ray Davies.
Abro aqui um parêntese para dizer que acredito que dificilmente acreditem nisto. No entanto, não é impossível. Fisicamente, pelo menos, pode ter acontecido. Pompeia aparenta ter agora entre 55 e 65 anos, logo por aí não falta à verdade.
A canção dessa tarde era Big Sky - uma das minha canções favoritas de Davies - e Pompeia cantou-a inteira, de uma ponta à outra, enquanto a dançava. Pensei que aquela magistral letra, ainda por cima, fazia um sentido danado na sua boca inteira. Saí pouco depois do café, ela já há um bom bocado que estava outra vez perdida, totalmente esgotada nos detalhes da sua história com princípio mas pouco mais... Pompeia, uma ex-namorada de Ray Davies, dança Big Sky à minha mesa e perde-se em seguida. Nem sei que pense, mas sei no entanto o que gostaria de fazer. Um dia, em tendo tempo - será por certo preciso muito tempo para Pompeia - deixar-me-ei ficar sentado à sua frente, e talvez, mas só talvez, nos poderemos rir e falar, cada um de nós, da sua Village Green.
It's a deal.
São raros os momentos de silêncio que lhe conheço... mas nesta raridade é que jaz o curioso desta história. Um dia, à minha mesa, Pompeia calou-se. Estranhando o facto, não o percebi imediatamente. Foi só quando se levantou e se pôs a dançar que compreendi que era a música. Pompeia, a D. Pompeia, como lhe chamamos, é louca (isto não é graçola fácil) pelos Kinks. Depois de terminada a canção na rádio, sentou-se de novo, mais calma, mais serena, por instantes... e começou uma história nova (afinal as suas narrações sempre têm princípio, pelo menos princípio). Londres, anos 60, namorados, Ray Davies. Desta vez apanhei-lhe o fio condutor ao pedaço de memória que desfiava. Diz ter sido nada mais nada menos que namorada de Ray Davies.
Abro aqui um parêntese para dizer que acredito que dificilmente acreditem nisto. No entanto, não é impossível. Fisicamente, pelo menos, pode ter acontecido. Pompeia aparenta ter agora entre 55 e 65 anos, logo por aí não falta à verdade.
A canção dessa tarde era Big Sky - uma das minha canções favoritas de Davies - e Pompeia cantou-a inteira, de uma ponta à outra, enquanto a dançava. Pensei que aquela magistral letra, ainda por cima, fazia um sentido danado na sua boca inteira. Saí pouco depois do café, ela já há um bom bocado que estava outra vez perdida, totalmente esgotada nos detalhes da sua história com princípio mas pouco mais... Pompeia, uma ex-namorada de Ray Davies, dança Big Sky à minha mesa e perde-se em seguida. Nem sei que pense, mas sei no entanto o que gostaria de fazer. Um dia, em tendo tempo - será por certo preciso muito tempo para Pompeia - deixar-me-ei ficar sentado à sua frente, e talvez, mas só talvez, nos poderemos rir e falar, cada um de nós, da sua Village Green.
It's a deal.
terça-feira, fevereiro 14, 2006
Feliz dia dos namorados
«Ela [Manuela Moura Guedes] sabe que pela minha mão nunca sairia [da informação da TVI].»
José Eduardo Moniz, TV Guia, 13.02.06
José Eduardo Moniz, TV Guia, 13.02.06
sábado, fevereiro 11, 2006
Em nome de Portugal
Freitas foi infeliz. Há quem o queira crucificar por isso. Dizem que não devia ter vinculado Portugal inteiro a uma opinião. Eu concordo (enfim, tirem lá a crucificação!). Só é pena é que muitos dos que agora crucificam Freitas não tenham sentido os mesmos ímpetos quando, há três anos, Durão Barroso fez uma triste figura ante a comunidade internacional, associando Portugal a uma guerra que a esmagadora maioria dos países da UE (para já não dizer da «civilização superior») não apoiou, por ilegal.
Não gostei do deslize de Freitas, mas prefiro um delito de opinião num bocado de papel do que um primeiro-ministro a servir bicas e a patrocinar uma chacina de milhares de pessoas - justificada por uma mentira. E em nome de Portugal.
O jackpot
Uns juntam-se aí às manifs, aparecem de mão dada com gente que foi contra a guerra-barbárie do Iraque. Outros bramem «é a guerra, é a guerra» e os bramidos desta vez ecoam nos ouvidos dalguns desses mesmos que há três anos foram contra a guerra-barbárie do Iraque. Outros ainda, vociferam que isto da civilização, mas da civilização a sério, não é para todos, e alguns que há três anos foram contra a guerra-barbárie do Iraque acompanham a berraria. Trata-se de um jackpot, e é preciso lembrar que os jackpots são tanto maiores quanto mais gente apostar... convém também é não esquecer que os jackpots, os outros, podem sair a qualquer um, mas este tem um vencedor muito claro. E não são os que foram contra a guerra-barbárie do Iraque... há três anos.
Mais um «dinamarquês-geração-espontânea»
Está de volta o bobo da corte, dando voz a quem lhe subsidia os anúncios nos jornais, como aquele que há um ano fez publicar e onde anunciava negar a comunhão a quem utilizasse métodos contraceptivos. Desta vez os disparates versam também a homossexualidade (que no seu entender "é uma doença"), o DIU, que para ele é "assassino", e o aborto, que para esta criatura ao serviço de deus é "um crime pior que a pedofilia".
Bom, a novidade é que agora não precisou que lhe subsidiassem nenhum anúncio. O jornal O Independente tratou de o entrevistar. Esta oportunidade, portanto, soube-lhe a pato. Mas no fundo estão bem um para o outro, jornal e padre... são todos «dinamarqueses-geração-espontânea».
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
Abrenuncio Vade Retro
Confesso que não contava que um comunicado de imprensa de um governo socialista pudesse um dia soar-me a homilia.
Arrasar susceptibilidades
A administração Bush lastimou a publicação dos cartoons por parte dos europeus. Parecem estar preocupados com o facto de se ferir a susceptibilidade dos muçulmanos. Logo Bush que, ironicamente, não tem senão tratado os muçulmanos como carne para canhão. «Maomé sim, muçulmanos não!», podia pois muito bom ser o seu lema. É que para ele as susceptibilidades não se ferem, arrasam-se. E fá-lo, entre outras coisas, também em nome de deus.
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
Portugal?!?!?
Portugal lamenta e discorda da publicação de desenhos e/ou caricaturas que ofendem as crenças ou a sensibilidade religiosa dos povos muçulmanos.
A liberdade de expressão, como aliás todas as liberdades, tem como principal limite o dever de respeitar as liberdades e direitos dos outros.
Entre essas outras liberdades e direitos a respeitar está, manifestamente, a liberdade religiosa – que compreende o direito de ter ou não ter religião e, tendo religião, o direito de ver respeitados os símbolos fundamentais da religião que se professa.
Para os católicos esses símbolos são as figuras de Cristo e da sua Mãe, a Virgem Maria.
Para os muçulmanos um dos principais símbolos é a figura do Profeta Maomé.
Todos os que professam essas religiões têm direito a que tais símbolos e figuras sejam respeitados.
A liberdade sem limites não é liberdade, mas licenciosidade.
O que se passou recentemente nesta matéria em alguns países europeus é lamentável porque incita a uma inaceitável “guerra de religiões” – ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta, Abraão.
Diogo Freitas do Amaral
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
A liberdade de expressão, como aliás todas as liberdades, tem como principal limite o dever de respeitar as liberdades e direitos dos outros.
Entre essas outras liberdades e direitos a respeitar está, manifestamente, a liberdade religiosa – que compreende o direito de ter ou não ter religião e, tendo religião, o direito de ver respeitados os símbolos fundamentais da religião que se professa.
Para os católicos esses símbolos são as figuras de Cristo e da sua Mãe, a Virgem Maria.
Para os muçulmanos um dos principais símbolos é a figura do Profeta Maomé.
Todos os que professam essas religiões têm direito a que tais símbolos e figuras sejam respeitados.
A liberdade sem limites não é liberdade, mas licenciosidade.
O que se passou recentemente nesta matéria em alguns países europeus é lamentável porque incita a uma inaceitável “guerra de religiões” – ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta, Abraão.
Diogo Freitas do Amaral
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Um profeta para ti, um profeta para mim, olá, olá.
Há um dado importante nesta polémica estúpida dos cartoons que tem sido negligenciado: Maomé não é propriedade dos muçulmanos. Na verdade, antecede o islamismo, é uma figura histórica, um entre muitos profetas que então proliferaram e pode ser olhado sob uma óptica não islâmica (como cristo para os muçulmanos) sem que para isso se tenham de pedir desculpas. Qualquer dia vamos ter que pedir perdão aos brasileiros para criticar Pelé, Tostão ou Romário, só porque são parte da sua mitologia. Comigo não, violão.
terça-feira, fevereiro 07, 2006
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Com um homem destes é que isto se endireitava
«Em cada país em que uma embaixada seja incendiada e cidadãos ocidentais molestados, corte-se relações com esse país.» Luís Delgado, in DN.
Dicotomias «naturais»
«Os movimentos que estão a apoiar as duas mulheres que ambicionam casar querem fazer-nos acreditar que a Humanidade se divide em heterossexuais e homossexuais e não entre homens e mulheres, confundindo preferências sexuais com identidades sexuais» Rita Lobo Xavier, in Público.
Olhe Rita, eu não acredito que a humanidade se divida entre heterossexuais e homossexuais (precisamente a dicotomia que os militantes homossexuais querem superar), nem entre homens e mulheres. Acredito que a humanidade se divide entre indiferentes e solidários, entre pessoas tacanhas e pessoas arejadas, entre segregacionistas e abolicionistas. Serão estas dicotomias «Naturais»?
Uma golfada de ar fresco na economia portuguesa
«Indústria do golfe movimenou 1800 milhões de euros em 2005[...] equivalente a 1,2 do PIB». Título do Público.
Um país de desportistas, portanto.
Um país de desportistas, portanto.
A palha que arde
Não entendo que se proíba a publicação do que quer que seja. Nem sequer acho aceitável que se o faça. Os critérios que ponderam a publicação, ou não, de qualquer peça de qualquer teor - humorístico, jornalístico, literário, artístico, político, o que seja - só podem ser da responsabilidade dos autores e ou editores dos órgãos de comunicação em que são incluídas. Isto, esta liberdade, parece-me, é um valor sagrado das sociedades evoluídas. E como tal deve ser defendido. Confundir linhas editoriais de jornais e outros meios de comunicação social com políticas de estado, é revelador de algo muito triste e desde logo, pelo menos aos olhos de um ocidental consciente do valor dessa liberdade, até merecedor de pena. É mesmo, ver queimar embaixadas por dá cá aquela palha (e como a palha arde!) é um espectáculo triste, um espectáculo que, em si, justifica o tom das próprias caricaturas em apreço no caso. Ou seja, os caricaturados acentuam o já de si carregado tom da caricatura. O que, de uma penada, dá razão ao autor da(s) mesma(s).
Dito isto, avanço ainda que não vi todas as caricaturas da polémica. No entanto, parece-me óbvio que não é o Islão o que se procura visar com as ditas, antes o fundamentalismo islâmico, ele próprio já uma caricatura do Islão.
Para concluir, é igualmente triste a hipocrisia das manifestações de extrema-direita preocupada com a liberdade de imprensa. Só mais palha para a grande fogueira.
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
Pacheco sobre Helena e Teresa
Entretanto as forças da inércia, leia-se a título de exemplo Pacheco Pereira, o açambarcador de «bens escassos», começam a dar sinal do desconforto que este tipo de matéria nelas desperta. Começa por apregoar indiferença à matéria, mas logo a seguir arrasa com as pretensões das nubentes (estranha forma de indiferença, não é?). E fá-lo invertendo totalmente a questão e incorrendo em vários erros que nem ficam nada bem à luminária da nação.
Considera por exemplo que até faria sentido que os crentes reivindicassem o casamento à Igreja, mas que os cidadãos não o devem fazer ao Estado. O que os crentes homossexuais fazem numa Igreja que os exclui eu não sei, mas a Igreja tem liberdade para os excluir, se assim o entender. Dessa forma, essa matéria é que deveria ser absolutamente indiferente a Pacheco, não a referente ao casamento civil. O Estado não deve nem pode, e a Constituição exprime-o taxativamente, excluir ninguém. Se existe a figura jurídica de casamento civil para uns, tem de existir para todos. Isto é que é clarinho como água, e ao não acontecer dessa forma, gera discriminação.
Pacheco diz então que acha essa reivindicação totalmente conservadora, e apelida os homossexuais de «novos conservadores». Bom, isto é de uma ignorância atroz, porque revela que na cabeça do Sr. Pacheco, eventualmente os homossexuais serão todos uns grandes malucos duns liberais. Alguns homossexuais, penso, são liberais, outros são-no menos e, outros até, serão conservadores tout-court. Portanto estou em crer que se o casamento é uma instituição conservadora (e acho mesmo que é) a que os heterossexuais têm direito (sendo heterossexual, nem me passa pela cabeça casar porque desde logo nem compreendo a necessidade - mas se assim o quisesse poderia fazê-lo), então os homossexuais também devem ter direito à mesma. Porque os haverá igualmente liberais e conservadores. É um princípio de universalidade básico.
A seguir fala da morte da diferença. Está preocupado porque os homossexuais que defendem a diferença, ao exigirem a liberdade de casar estão a contribuir para a morte da dita - da diferença. Uma forma de alimentar a diferença é permitir e alimentar regimes legais diferentes para pessoas diferentes. «Todos diferentes, todos iguais» pretende apenas e exactamente o contrário daquilo que Pacheco diz: ou seja, uma igualitarização face à lei. Ele sabe-o bem mas, como de costume, subverte de forma pouco séria, também costumeira, a sua argumentação para o que lhe dá mais jeito. Curioso é que o faça até para causas que lhe são indiferentes. Pode-se imaginar nas outras.
Considera por exemplo que até faria sentido que os crentes reivindicassem o casamento à Igreja, mas que os cidadãos não o devem fazer ao Estado. O que os crentes homossexuais fazem numa Igreja que os exclui eu não sei, mas a Igreja tem liberdade para os excluir, se assim o entender. Dessa forma, essa matéria é que deveria ser absolutamente indiferente a Pacheco, não a referente ao casamento civil. O Estado não deve nem pode, e a Constituição exprime-o taxativamente, excluir ninguém. Se existe a figura jurídica de casamento civil para uns, tem de existir para todos. Isto é que é clarinho como água, e ao não acontecer dessa forma, gera discriminação.
Pacheco diz então que acha essa reivindicação totalmente conservadora, e apelida os homossexuais de «novos conservadores». Bom, isto é de uma ignorância atroz, porque revela que na cabeça do Sr. Pacheco, eventualmente os homossexuais serão todos uns grandes malucos duns liberais. Alguns homossexuais, penso, são liberais, outros são-no menos e, outros até, serão conservadores tout-court. Portanto estou em crer que se o casamento é uma instituição conservadora (e acho mesmo que é) a que os heterossexuais têm direito (sendo heterossexual, nem me passa pela cabeça casar porque desde logo nem compreendo a necessidade - mas se assim o quisesse poderia fazê-lo), então os homossexuais também devem ter direito à mesma. Porque os haverá igualmente liberais e conservadores. É um princípio de universalidade básico.
A seguir fala da morte da diferença. Está preocupado porque os homossexuais que defendem a diferença, ao exigirem a liberdade de casar estão a contribuir para a morte da dita - da diferença. Uma forma de alimentar a diferença é permitir e alimentar regimes legais diferentes para pessoas diferentes. «Todos diferentes, todos iguais» pretende apenas e exactamente o contrário daquilo que Pacheco diz: ou seja, uma igualitarização face à lei. Ele sabe-o bem mas, como de costume, subverte de forma pouco séria, também costumeira, a sua argumentação para o que lhe dá mais jeito. Curioso é que o faça até para causas que lhe são indiferentes. Pode-se imaginar nas outras.
quarta-feira, fevereiro 01, 2006
Obsessão retoma(da)
Luís Delgado é, sabemo-lo, um obcecado pela retoma. Nos tempos dos amigos Durão e Santana, utilizou o seu privilegiadíssimo lugar na comunicação social para a anunciar quase diariamente. Era penoso de assistir: se um indivíduo passasse com uma roulotte de cachorros debaixo da varanda do escritório de Delgado, isso era a retoma. Como se o disparate não fosse já ciclópico, arranjava ainda forma de a ligar às políticas certeiras (como estamos todos bem recordados!!) do PM de então. Era portanto por demais evidente que tudo aquilo era escrito com os pés, forçadíssimo, fruto de uma cegueira de espírito e de uma fidelidade canina que apelido de pouco digna em termos humanos, mesmo insultuosa para a inteligência de quem o lia - mas sobretudo para a dele (caso a possuísse?, interroga-se o leitor - vá lá, também não seja tão mau!).
Esta noite, na SIC Notícias, Delgado conseguiu dizer, sem rir, que os sinais que a economia evidencia desde há algum tempo não são nada que se veja. Bom, vejamos, independentemente de serem mais ou menos ténues, são, ainda assim, sinais. Só que, percebe-se, para um homem que lia prenúncios de retoma talvez em vísceras de galinha, ou em borras de café, é natural que pouco valham. Para concluir, acrescente-se que Luís Delgado proferiu estas palavras numa cadeia argumentativa através da qual pretendia apontar o dedo à perda de credibilidade dos jornalistas e analistas políticos, entre outros - políticos, etc. É obra, é obra sim senhor, mas demente, ou de mente delgada neste caso...