Daniel, tentarei ser breve porque, parece-me, o cerne da matéria até é pouco polémico. Começo por notar que me apraz a tua evolução argumentativa, nomeadamente entre
este post e estes [
1,
2,
3]. Posto isto, discordo de todos. Há três pontos em apreço. Um, nuclear, a decisão do ministro, outro, o elencar aleatório de medidas governativas, por último, o cartoon.
Primeiro ponto.
a) Os estudos em causa. Carlos Costa emitiu (ver Público, 12 de Maio, pág. 24) um comunicado que dá razão aos seus críticos. Os 11 blocos de parto a encerrar “apresentam índices de gravidade mais baixos na assistência a grávidas e recém-nascidos” porque as situações de risco são todas encaminhadas para hospitais de referência. Assim os resultados das maternidades a fechar são maus, quer do ponto de vista da qualidade do serviço quer da sua amplitude, justificando o seu encerramento e esvaziando a polémica em si;
b) A suposta privatização. “Privados querem negócio dos partos”, titulava o DN, mas e então? O que é que isto demonstra? A expressão de que o mercado existe e funciona é má? Na dúvida, o que leio na notícia são apenas intenções do mercado e não acordos (tácitos) com o ministro. Nada na actuação deste parece indiciar tal (independentemente das convicções que se tenham sobre a contratualização entre o estado e o mercado no que respeita a serviços públicos). O que às vezes parece transparecer nestas ocasiões é que a realidade só atrapalha «bons» argumentos há muito engatilhados e prontos a disparar;
c) Os critérios da OMS. Que uma política nacional de saúde os leve em conta parece-me apenas desejável. Confesso que parto aqui de um princípio, chamem-me ingénuo, segundo o qual admito que a OMS não é um fantoche do sector privado da saúde em Portugal;
d) A natureza tecnocrata da medida. Em casos como este, de possível vida ou morte de utentes do serviço público de saúde, um pouco de técnica nem calha nada mal. Adiante-se ainda que de há séculos a esta parte a ciência tem sido alternativa credível à irracionalidade e obscurantismo do estado, ou da igreja (chamas-lhe «moda», mas com o tempo que a prática já leva até vou mais longe, chamo-lhe «um clássico»). É também preciso não confundir, indiscriminadamente, tecnocracia com políticas coadjuvadas por fundamentos técnico-científicos.
Segundo ponto
Elencar avulsa e aleatoriamente outras medidas para, com base nelas, atacar esta, é uma táctica escapista. Eventualmente as medidas que enuncias também recolhem o meu apoio, só que, grande chatice, não são elas que estão na mesa. Elevando a bizarria táctica a um extremo lógico, pegando por exemplo
neste post com piada do Renato, é mais ou menos equivalente a dizer-se que se está contra o facto de Portugal ter subido duas posições no ranking internacional da competitividade porque deveria ter subido 45.
Terceiro ponto
Falaste de 'evidências', assim entre comas. Ainda bem, porque não concebo evidência mais artificialmente arquitectada do que, a respeito desta matéria, comparar o ministro Correia de Campos a um carcereiro de Auschwitz, isto sem qualquer fundamento de cariz técnico, político, ou outro. Ora tomando isto como ponto de partida, extremado assim, que margem de manobra resta para a seguir se flexibilizar qualquer posição? Ou para dúvidas, que espaço resta para elas quando a primeira arma de arremesso é o epíteto «nazi»?
Fui menos breve do que desejava, mas isto é saudável, dá vida à casa, enfim, anima o tasco.