Nacionalmente Mário Soares é a melhor definição do político. Mas outra vez? Perguntam muitos (até potenciais votantes). Só que o próprio não tem culpa que, na sua zona político-ideológica, não tenha surgido o tal, o redentor, o carismático, o congregador, ou seja, não contando com as prima-donas, não apareceu ninguém da geração seguinte que, sem medo e com consistência política, tenha avançado. É triste. Pois é.
O discurso de lançamento da campanha de Soares foi lúcido, moderno, jovem e com sentido de humor. Soares falou de si e do risco que está disposto a correr nesta sua candidatura. Falou também da agenda política do país e da Europa, das dificuldades que todos vamos ter de enfrentar. Conhecedor do país, dos seus protagonistas e dos seus bloqueios, deu-nos o social por contraponto ao destempero neo-liberal e apresenta-se como aquele que joga na política e inflecte na tecnocracia. A julgar pelo discurso, Soares continua fixe.
Cavaco foi correcto e curto (qualidade esta que quase serve de premissa à primeira). Mas falou como se viesse de um lugar distante que, com lentes para hiper míopes, nos dá a luz sobre as difíceis condições de vida dos portugueses, fazendo da sua potencial intervenção presidencial o instrumento para as atenuar. Outra vertente do seu discurso foi a demarcação do seu partido (a máquina que lhe vai montar a campanha), para se vestir de uma súbita neutralidade de quem “não é de nada nem de coisa nenhuma e o que quer é estar de bem com todos”. Esta é uma condição impossível para quem quer estar na política activa dando corpo a alguns dos seus cargos mais importantes.
Lamento ainda que uma das figuras que fica para a história recente do país não goste da política e dos partidos. Trata-se pois de um homem que parece situar-se longe de um dos pilares da democracia: a existência de partidos representativos de vontades políticas e sociais, com função de transporte entre sociedade e estado, e de laço entre participação e poder. É pena!
Soares não tem só passado político, tem também presente. De Soares sabemos o que pensa sobre o 25 de Abril, o aborto, a Guerra do Iraque, a globalização, a Europa, o terrorismo, a imigração… Já de Cavaco pouco se sabe. Foi-se entregando a sucessivos tabus como estratégia de política fundamental. É uma espécie de remake estafado de alguém que se insinua sem nunca verdadeiramente se oferecer.
Nesta nova batalha política, a que, como muitas outras, Soares disse “sim”, o primordial objectivo é vencer Cavaco e a Direita.
Cavaco mal existia politicamente quando foi à Figueira da Foz, e uma rodagem ao carro valeu-lhe a presidência do seu partido (ele há rodagens bem feitas). Em quase dez anos de afastamento político, e esquivando-se sucessivamente a uma participação política activa, pode calhar-lhe uma presidência da república. Passos de mágica? De que signo será este senhor?
[Susana Martins]